O que falta é capitalismo

.  Falta capitalismo      
Entre as diversas medidas de emergência anunciadas pelo governo francês para conter a violência nos subúrbios, uma delas parece fora de lugar: a criação de áreas de isenção fiscal, pequenas zonas francas, nas regiões mais quentes. É claro que não se trata de política de emergência, mas vai ao coração do problema.     
Como os imigrantes se integram ao país de adoção? Há vários fatores ? escola, educação, a língua ? mas o essencial é ?fazer a vida?, como se dizia. Isso significa abrir e prosperar com seu próprio negócio, arrumar empregos, comprar a casa própria.     
Eis aí: as áreas livres de impostos criadas pelo governo francês têm o objetivo de facilitar a abertura e expansão dos negócios ? e pois, dos empregos. Isso não é simples na França.     
A taxa de desemprego dificilmente cai abaixo dos 10%, mesmo nos bons momentos. É o dobro da taxa verificada, por exemplo, nos Estados Unidos e Inglaterra (5%).     
Mas a média engana. Entre os descendentes de imigrantes, a taxa francesa de desemprego sobe a 20% e chega a 40% entre os jovens de determinadas regiões. A França está cansada de saber disso.     
Em sua última edição, a revista Economist cita uma frase exata sobre o tema: ?Nos subúrbios empobrecidos, reina um tipo de manso terror. Quando muitos jovens não vêem nada adiante a não ser o desemprego depois que deixam a escola, eles terminam caindo na rebelião. Por algum tempo, o Estado pode lutar para impor a ordem e apoiar-se nos benefícios sociais para evitar o pior. Mas quanto tempo isso pode durar??     
A frase é do presidente da França, Jacques Chirac, mas enunciada dez anos atrás, em 1995, quando ele era candidato. Nada mudou de lá para cá. A economia francesa continua incapaz de gerar crescimento e empregos. E o governo continua se apoiando nessa combinação de repressão e benefícios sociais pagos pelo Estado.     
O pacote antiviolência inclui ? além de mais polícia nas ruas e ameaças de expulsão ? a abertura de empregos públicos em prefeituras e escolas e verbas para as obras assistenciais das associações de moradores. Talvez mais moradias.     
Registre-se diferença. Nos Estados Unidos, 50% dos latinos ? imigrantes e seus descendentes ? moram em casa própria. É difícil medir esse índice na França pois o governo, no quadro da política de integração, não inclui diferenças raciais nos diversos censos. Mas é baixíssimo. As moradias dos subúrbios, por exemplo, são públicas, do governo, alocadas às famílias.     
Também nos EUA, assim como na Inglaterra, a pobreza é maior entre imigrantes e seus descendentes e entre os negros. Mas o dinamismo econômico e a geração de emprego oferecem muito mais oportunidades de integração econômica, que resulta em integração social e política. É possível ?fazer a América?, razão pela qual milhões foram e vão para lá.     
E por que teriam ido para a França? Muitos foram obrigados quando se encerrou o período colonial. Educados como franceses, por exemplo, muitos não se sentiram confortáveis numa Argélia independente. Não se viam como argelinos. E outros porque a situação em seus países de origem, africanos, é muitíssimo mais dramática.     
Para quem tem um emprego formal na França, a vida é mais tranqüila: semana de 35 horas, feriados e férias generosas, 125% na hora extra. A demissão é cara para o empregador, de modo que há bastante estabilidade. No amplo setor público, então, há mais vantagens (como a aposentadoria com menos anos de trabalho) e estabilidade completa.     
Portanto, é caro contratar ? o que complica a vida dos que estão querendo entrar no mercado de trabalho, como é o caso dos jovens descendentes dos imigrantes. A empresa contrata primeiro o francês da gema, os outros vão para o fim da fila. Como se gera emprego em número insuficiente, a fila dos desempregados aumenta ? e aumenta com os ?estrangeiros?.     
Nos EUA e na Inglaterra, também se contratam primeiro os brancos. Mas a fila do emprego anda mais depressa e chega aos negros e latinos.     
Mas por que entramos nesse assunto? Porque é uma questão chave para o crescimento de qualquer país. Todos querem desenvolvimento, geração de emprego e distribuição de renda.     
Como fazer isso? Um caminho é gastar mais dinheiro público em aposentadorias, bolsas, moradias emprestadas e usar as prefeituras para empregar gente. Outro é criar condições para que as pessoas façam sua vida ? um ambiente de negócios que abra espaço para os empreendedores, essa gente que cria valor. Isso significa facilidades para abrir e tocar um negócio, impostos e encargos menores, menores custos trabalhistas, oportunidades de mercado para obtenção de capital e financiamentos. Tudo, por exemplo, que é difícil e enrolado na França tão antiliberal e anticapitalista.     
Aqui no Brasil, também andamos fazendo muita coisa errada. Há um fosso entre os empregados e desempregados e outro entre os empregados com carteira e os sem-CLT. E os empreendedores precisam ganhar duas vezes, no mercado, competindo, ganhando clientes, e na máquina do Estado, superando burocracias, entraves e impostos.     
É claro que os programas sociais são necessários. Mas como dizia o Chirac de dez anos atrás, até onde podem ir e quanto dinheiro a sociedade pode pagar? Ou, quem é que vai gerar a riqueza no mercado, inclusive para que o Estado passe lá para arrecadar sua parte?  Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/novembro/2005     
          

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