O NOVO MINISTRO CONTROLA OS GASTOS?

. Quem vai dizer não aos pedidos justos?     
Pedro Malan, da experiência de seus oito anos como ministro da Fazenda, dizia que rejeitar pleito injusto é fácil. Difícil é dizer não para pleito justo. Ora, ninguém chega ao gabinete da Fazenda pedindo recursos para instalar uma banheira de hidromassagem na sauna ministerial. Os colegas vão ali pedir dinheiro para comprar vacina e livros escolares. Como as demandas sempre excedem as verbas disponíveis, o ministro da Fazenda dirá não a projetos bons e prioritários. Vai daí que ele não pode se comover. Se fraquejar o coração, vai-se o orçamento.     
Todos os gastos do governo federal passam pela Secretaria do Tesouro, uma das pernas do Ministério da Fazenda. Faz par com a Receita, que arrecada os impostos, taxas e contribuições. O gasto precisa, primeiro, constar do orçamento da União. Depois, o órgão encarregado do programa precisa passar pelo Ministério do Planejamento, que atesta a legalidade do projeto. E daí vem a parte mais difícil ? a liberação do dinheiro pelo caixa do Tesouro.     
Note-se, portanto: quando o programa chega ao Tesouro, já tem os carimbos de bom, prioritário e autorizado. Resultado: o secretário do Tesouro deve ter enorme autoridade ? além de capacidade, é claro ? para ordenar e selecionar os gastos. Vai dizer não muitas vezes.     
É óbvio, por outro lado, que a autoridade do secretário depende da força política do seu chefe, o ministro da Fazenda. Este tem um álibi. Por lei, precisa cumprir a meta do superávit primário ? a economia que o governo faz para pagar a conta de juros. Trata-se de meta mensurável. Algo como R$ 50 bilhões neste ano, dinheiro a ser juntado mês a mês. Além disso, as circunstâncias podem exigir que, em determinado momento, o governo faça economia maior que a estipulada no orçamento. Isso ocorre, por exemplo, quando as taxas de juros permanecem altas por um longo período, como aconteceu no ano passado, aumentando a despesa financeira do Tesouro ? os juros que paga sobre a dívida pública.     
Mas a meta e o resultado são avaliados anualmente. O número final de 2006 só se saberá no início de 2007, de modo que há sempre margem para ir acertando as contas ao longo do ano. Ou seja, o presidente da República ou um ministro mais forte sempre podem dobrar o ministro da Fazenda com o argumento de que se gasta hoje e se economiza amanhã.     
É justamente o que o governo federal está fazendo desde o final do ano passado, quando a ministra Dilma Roussef enterrou a proposta de Antonio Palocci e do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que pretendiam lançar um projeto de médio prazo de redução do gasto público. Não só não emplacaram isso, como a ministra convenceu Lula que a área econômica estava economizando mais do que o necessário.     
Para resumir: o superávit primário feito pelo governo federal nos dois primeiros meses deste ano é menos da metade do obtido no mesmo período de 2005. As despesas aumentaram 17%, muito mais que a inflação e o crescimento da economia.     
Tudo bem que este é um ano eleitoral, em que as regras limitam muito o gasto público no segundo semestre. Assim, os governos tratam de iniciar obras e tocar programas no começo do ano, inclusive para mostrar serviço aos eleitores. Mesmo considerando esse fator, entretanto, o gasto do governo federal está em forte aceleração.     
A entrada em vigor do salário mínimo de R$ 350 aumentará ainda mais essa despesa, de modo que não basta o ministro Guido Mantega dizer que não é gastador. Ele precisará, na verdade, ser ?cortador?.     
Ora, o problema é que Mantega, além de não ter a mesma força política de Palocci, nem a mesma ascendência junto a Lula, se alinha entre os economistas do PT que vêem no gasto público um dos principais motores do crescimento. Na polêmica Palocci X Dilma, Mantega estava claramente no lado da ministra. E há poucos dias, antes de ser designado ministro, disse que estava errado um estudo oficial do então secretário do Tesouro Joaquim Levy, apontando o aumento do mínimo como uma das causas da deterioração das contas públicas.     
Mantega disse então que havia compromisso de Lula com o gasto social. Ora, nos debates anuais sobre o mínimo, que tem, sim, enorme impacto sobre as contas da Previdência, o ministro da Fazenda precisa sempre começar a conversar de um valor lá embaixo, pois todos os demais e o presidente, qualquer que seja, vão querer mais.      
É verdade que uma coisa é criticar a política econômica de fora, outra é ser responsável por ela. Autoridade econômica tende ao conservadorismo, por convicção, por prudência ou ainda por medo. A primeira decisão do Conselho Monetário Nacional sob a direção de Guido Mantega foi mais para o conservador. Na última sexta-feira, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), cobrada nos empréstimos do BNDES, caiu de 9% ao ano para 8,15% – um número meio esquisito.     
Que a taxa cairia, não havia dúvida. Pelo Banco Central, se esperava um corte de 0,75 ponto. Já Mantega, quando presidente do BNDES, dizia que essa TJLP poderia ser de 7%. Para os analistas, ele iria sugerir uma queda para 8%, conforme comentavam grandes empresários, os clientes do BNDES.     
Saiu 8,15% – numa fração inédita. Parece uma acomodação com o BC. E por falar nisso, na mesma sexta, o presidente do BC, Henrique Meirelles fez uma enfática defesa da política  monetária, afirmando que os juros caem de maneira organizada e consistente, sem voluntarismos. Dias atrás, já designado ministro, Mantega dissera que o Brasil precisava de juros civilizados, o que levou Meirelles a se queixar com Lula, segundo informam diversas fontes. Certo ou errado, o fato é que Meirelles esteve com Lula e saiu de lá dizendo que a autonomia do BC e sua política estavam garantidas. Foram movimentos para dar garantias ao chamado mercado. A política do BC está preservada. Mantega ministro é mais conservador que o Mantega do BNDES e, sobretudo, o Mantega do PT. Mas permanece a essencial questão fiscal: o governo federal está torrando dinheiro e não se sabe se Mantega tem força política e convicção para dizer não. Por enquanto, parece que não. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03/abril/2006

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