—Sobre tomadas e sobre os ministros demitidos no governo Dilma —
Registro-me no hotel em Punta Del Este, Uruguai, e logo peço um adaptador de voltagem e de tomadas. A recepcionista se desculpa por não ter nenhum disponível. Explica: ?Emprestamos todos. Aqui praticamente só temos hóspedes estrangeiros e o governo acaba de trocar nossas tomadas. Assim, todos precisam de adaptador?.
Ocorre-me uma ponta de esperança. Se a mudança uruguaia é relativamente recente e se pertencemos todos ao Merscosul, há uma boa chance de as novas tomadas brasileira e uruguaia serem do mesmo tipo. Pergunto e a moça confirma que são três buraquinhos redondos.
Tudo resolvido, instalo-me no apartamento, trato de ligar as tranqueiras todas, computador, celular, iPad. Não funciona. A tomada uruguaia recebe plugues de três pinos, mas alinhados numa reta. Na nossa, o pino do meio está abaixo (ou acima, claro) dos outros dois, formando um V suave. Os plugues brasileiros não encaixam na tomada deles.
Deveria ter imaginado. A maior parte dos hóspedes era de brasileiros, de modo que estariam sobrando adaptadores se o sistema deles fosse igual ao nosso.
Por outro lado, convenhamos: são países vizinhos, pertencem à mesma zona comercial, há cidades nas fronteiras que se misturam, o fluxo de viajantes é intenso ? e nem assim conseguem padronizar as medidas?
É verdade que o Brasil não dá muita atenção ao Uruguai. Recentemente, quando aumentou o IPI de carros importados, o governo brasileiro isentou os veículos produzidos na Argentina e México, mas se esqueceu dos montados no Uruguai, também beneficiados por acordo automotivo. São tão poucos automóveis, desculparam-se autoridades brasileiras. A falha foi corrigida, mas o governo uruguaio acrescentou mais essa à sua lista de queixas com o Mercosul e o Brasil em especial.
Mas, broncas à parte, considerando o tamanho de seu país e a integração com o Brasil, não seria razoável que as autoridades uruguaias copiassem as tomadas brasileiras, que haviam sido instaladas antes?
Fizeram, entretanto, como as autoridades de Brasília quando deram as costas para o mundo e resolveram implantar a tomada verde-amarela.
Quem vocês estão pensando que manda aqui? ? alardeiam também os governos vizinhos, aliás da mesma linha nacionalista. Eis o ponto: idéias de jerico não são exclusividade brasileira.
Tolerância ou incompetência?
Uma coisa a gente precisa admitir: a presidente Dilma tem conseguido um prodígio de marketing. Cinco ministros e dezenas de assessores caíram em meio a denúncias de corrupção e mau uso de dinheiro público, alguns foram presos, e a presidente aparece como a comandante de uma faxina ética.
Reparem mais: nenhum funcionário foi apanhado numa investigação primária dos órgãos oficiais. Todos foram afastados depois de denúncias na imprensa e todos ganharam um tempo para que tentassem se explicar.
A própria presidente justificou esse procedimento. Disse que os acusados tinham esse direito e que não poderiam ser condenados (demitidos) antes de investigação criteriosa.
O pessoal mais próximo da presidente acrescenta que a chefe do governo não pode saber de todos esses malfeitos. Mas quando a denúncia aparece, ela age.
Ou seja, está tudo funcionando corretamente.
Está?
Há dúvidas pertinentes. A presidente, ou melhor, o seu sistema de apoio não deveria ao menos checar os nomes dos escalões superiores?
A presidência da Republica tem instrumentos para isso. Além de contar com órgãos de controle administrativo e uma comissão de ética, tem ainda a Polícia Federal e mais os serviços de informações e inteligência. Há funcionários pagos para manter a presidente bem antenada.
Todo esse aparelho deve ou deveria ter mais acesso às informações críticas do que, digamos, um punhado de jornalistas. Mas quando estes descobrem as histórias e as publicam, a primeira reação do governo é dizer que não vai tomar providências antes de ouvir as explicações dos denunciados.
Quer dizer que os órgãos de controle, a polícia e os serviços não sabiam de nada e só ficaram sabendo por meio da imprensa?
Há três questões aí. Primeira, se esses órgãos não sabiam de nada, para que serve todo aquele aparato, aliás, muito caro? Segunda: se a polícia e os serviços sabiam de tudo, inclusive da ficha de ministros, por que essa informação não chegou à presidente? Terceira: se a informação existe e chegou à Presidência, como aqueles caras puderam ser nomeados e continuar gastando até que a imprensa divulgasse as denúncias?
Numa hipótese, trata-se de incompetência. Na outra, de tolerância com o mau uso do dinheiro público. Ou, pior, as duas coisas.
Publicado em O Globo, 03 de novembro de 2011