. O governo Lula não entrega Com muitos programas e pouca eficiência, a admnistração petista emperra O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dedicado boa parte de seu tempo A encontrar meios de aumentar os investimentos e financiamentos públicos. Em suas últimas apresentações, tem desfilado números impressionantes, como no programa de rádio “Conversa com o presidente” veiculado no último dia 22. Lula anunciou que, só para o microcrédito, o Banco do Brasil tem disponíveis nada menos que R$ 18 bilhões e o fundo “Cresce Nordeste”, mais R$ 3 bilhões. Para bons projetos, sempre haverá dinheiro, repete o presidente, prometendo mobilizar seus bancos e suas estatais. Mas, quando se examinam alguns programas em andamento, os resultados parecem bem inferiores aos anunciados no momento do lançamento. É o caso do crédito com desconto em folha de pagamento. Não emplacou. O Bradesco, por exemplo, tem a pífia quantia de R$ 1,6 milhão emprestado nessa modalidade. A explicação para o fracasso é a burocracia, com os sindicatos intermediando as relações entre empresas, bancos e trabalhadores. O programa do microcrédito vai um pouco melhor, justamente porque tem menos burocracia. Os números reais, de todo modo, estão longe dos bilhões anunciados pelo presidente. O Bradesco, maior banco privado do país, tem pouco mais de R$ 200 milhões efetivamente emprestados. Excesso de intervenção do governo também bloqueia o programa Primeiro Emprego – uma das estrelas da campanha eleitoral. As empresas recebem um subsídio quando contratam jovens, mas as exigências para empregador e futuro empregado são tantas que o projeto, conforme estimativas de especialistas em trabalho, não gerou nem mil postos, longe dos 250 mil previstos no lançamento. Além disso, o programa é caro. E assim vai por quase toda a administração. O governo não entrega o que anuncia e há um padrão nesses casos: o excesso de controle governamental. Não se trata apenas de burocracia, mas de regras pelas quais o poder público tenta impor direção estrita aos programas. É o caso do primeiro emprego: o governo não quer dar emprego aos jovens, mas ao jovem de uma determinada idade e que, por exemplo, só tenha o ensino fundamental. As vagas para os que possuem o segundo grau estão vedadas. A clientela não é dada pelo mercado, mas definida pelos técnicos do governo. Eles acham que sabem mais do que as empresas e os próprios beneficiários dos programas. Essa é uma contradição básica do governo Lula. Vem das origens do PT. Desconfiando do capitalismo, visto não como a melhor maneira de organizar a produção, mas como um mal inevitável, o pensamento petista concentra suas propostas na intervenção do governo como investidor, financiador e organizador. Mas a política econômica, que funciona, vai na direção contrária. Os diversos textos do Ministério da Fazenda e declarações do ministro Antonio Palocci colocam ênfase na chamada agenda microeconômica. E de que se trata? De uma série de medidas que facilitem a vida de quem quer fazer negócios no Brasil. Trata-se de desburocratizar, liberar a atividade produtiva privada. Assim, no governo, há sempre um lado centralizando e impondo controles e outro lado, o da Fazenda, tentando simplificar e deixar por conta da iniciativa privada. Isso tem custos. Primeiro porque as coisas demoram a acontecer. Os projetos frequentemente refletem uma composição de idéias opostas que os torna mais confusos, como foi o caso da lei de biosegurança. Tudo envolve muita gente. Não raro, o presidente Lula precisa reunir uma dezena de ministros para tentar resolver algum assunto polêmico, como foi o caso das usinas hidrelétricas. O presidente anuncia que há dinheiro para financiar energia, mas questões ambientais, pendentes por muito tempo, paralisam os projetos. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, tem dito que a máquina do governo não acompanha as determinações do presidente. É verdade. A burocracia é normalmente lenta, mas há um problema adicional, o fato de o PT ter trocado muita gente na administração. Com isso, perdem-se a memória e o jeito de fazer. Outro problema no governo petista é o excesso de programas e políticas públicas. O presidente acabou prometendo dinheiro para tudo: reforma agrária, Bolsa Família, infraestrutura, reaparelhamento do Estado, saúde para todos, recomposição salarial para todo o funcionalismo, dobrar o valor real do salário mínimo, subsidiar setores industriais locais, financiar obras e projetos no exterior, sustentar políticas de direitos humanos, apoiar a pesca, comprar os jatos da Força Aérea. Não há dinheiro para isso tudo, especialmente quando a política econômica determina a realização de um superávit primário elevado nas contas públicas, para o pagamento de parte da conta de juros. Acrescente-se ao cenário a ciranda dos partidos políticos e se tem a confusão armada. O presidente do Partido Liberal, deputado Valdemar da Costa Neto, da base aliada, agremiação do vice-presidente José Alencar, ataca a política econômica mas não pelo lado liberal. Ao contrário, pede um ministro da Fazenda e um presidente de Banco Central que intervenham mais na economia, mais ou menos como reduzir juros à força. Mesma crítica feita pela esquerda petista. Já o senador Tasso Jereissati, do PSDB, oposição, julgou-se no dever de fazer um discurso no Senado, um gesto solene, portanto, para dizer que a eventual desestabilização do ministro Palocci seria simplesmente um desastre completo para o País. Pode ser até que o país já esteja acostumado, mas não é normal o ministro da Fazenda ser atacado pela situação e defendido pela oposição. Não é de estranhar, portanto, que se tenha formado um sentimento pessimista entre consumidores e investidores. Há sinais de recuperação econômica, mas as brigas dentro do governo e a percepção de ineficiência são mais fortes. Ou seja, o governo Lula precisa se refazer urgentemente. Publicado na revista Exame, edição 814, data de capa 31/03/2004
O GOVERNO LULA NAO ENTREGA
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
- Post comments:0 Comentários