. Há vagas
Bola de cristal
À maneira das videntes ? ?um líder mundial vai morrer neste ano? ? eis o que diz nossa bola de cristal para as finanças federais em 2005:
. o governo vai contingenciar o orçamento, isto é, baixará decreto reduzindo as previsões de receitas e despesas aprovadas pelo Congresso;
. o maior corte será nos investimentos;
. o déficit da Previdência vai aumentar;
. idem para os gastos com o funcionalismo;
. a Receita Federal vai descobrir meios de aumentar impostos.
Esta última previsão, aliás, realizou-se antes mesmo de iniciar o ano. Na última edição do Diário Oficial de 2004, o governo enfiou na Medida Provisória que reduz o IR para pessoas físicas, alteração previamente debatida e negociada, algumas alterações para elevar a carga de pessoas jurídicas, regras que pegaram todos pelas costas.
Esse pequeno golpe tributário gerou protestos generalizados que, afinal, podem levar à sua eliminação. Mantenha-se a previsão, porém: a Receita vai aumentar impostos, pela simples e boa razão de que há despesas inexoráveis a pagar.
Costuma-se dizer que o Orçamento aprovado pelo Congresso é sempre uma peça de ficção. É verdade, mas parcial: há ilusão nas projeções de receitas e de investimentos, mas o aumento de gastos com salário mínimo, previdência e funcionalismo é sempre real e, na verdade, subestimado.
No Orçamento de 2004, estavam previstos investimentos de R$ 15,2 bilhões, número convenientemente alardeado pelo presidente Lula. Terminado o ano, o governo havia efetivamente pago pouco mais de R$ 5 bilhões. Outros R$ 5,7 bilhões foram ?empenhados?, isto é, são recursos comprometidos mas não efetivamente liberados. Podem ser pagos, podem não ser ? mas agora já concorrem com a ilusória montanha de investimentos previstos para 2005. Com relação aos outros R$ 4,4 bilhões de investimentos estimados para 2004, esqueçam.
Em compensação, os gastos previdenciários, com pessoal e demais benefícios aumentaram mais que o previsto.
Isso em um ano extremamente favorável. O país cresceu bem mais que o previsto, circunstância que eleva naturalmente a arrecadação de impostos. Alterações feitas pelo governo na cobrança de alguns tributos potencializaram esse bom momento econômico, tudo resultando em ganho de receita e aumento de carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto.
Na preparação do Orçamento de 2005, o governo imaginou não um, mas vários outros anos de vacas gordas, e gastou por conta. O Congresso sonhou com vacas obesas e também gastou por conta. Resultado: vai faltar dinheiro. E se as vacas emagrecerem um pouco que seja, tome aperto fiscal. É nessa circunstância que desabam os investimentos produtivos ? estradas, portos, por exemplo ? porque há gastos obrigatórios.
Em resumo, há uma enorme diferença entre aumentar o salário mínimo, que impacta as contas da Previdência, e elevar a previsão de novos investimentos. O pagamento da Previdência é obrigatório e para sempre. O investimento, depende.
Assim, os ganhos de arrecadação de um ano excepcional não podem ser utilizados para aumentar os benefícios da Previdência, pois estes se repetem por décadas. O salário mínimo de R$ 300,00, a partir de maio, eleva o déficit real da Previdência e, assim, amplia um problema que já está aí. O déficit cresce mesmo sem aumento real do mínimo.
O governo Lula também aproveitou o momento para aumentar os gastos com o funcionalismo, já a partir do ano passado, tanto com mais contratações quanto com reajustes salariais. Espera repetir a dose em 2005. Este é outro gasto para sempre, já que a reforma administrativa foi abortada e continua praticamente impossível demitir funcionários.
O Orçamento deste ano, tal como modificado pelo Congresso, também prevê mais investimentos e maior ressarcimento a Estados exportadores, mas estes já são gastos candidatos a cortes.
O governo pode argumentar que os investimentos aumentaram em 2004 em relação ao ano anterior, quando foram de apenas R$ 1,8 bilhão. É verdade. Mas em 2003 esses gastos foram excepcionalmente baixos (cerca de 0,1% do PIB), por causa da arrecadação apertada e pelo despreparo de uma administração de novatos que não sabiam gastar.
No ano passado, muito bom para as finanças públicas, os investimentos federais passaram para 0,3% do PIB, um resultado baixíssimo sob qualquer critério de comparação. Há anos os investimentos produtivos vêm sendo reduzidos justamente para compensar os gastos com Previdência, salários, benefícios (como as bolsas) e demais despesas de custeio.
Tudo considerado, as contas públicas deste ano devem ter um desempenho bastante piorado. Em 2004, o governo Lula conseguiu um extraordinário resultado: a dívida pública líquida em relação ao PIB deve ter caído seis pontos percentuais, para 52%. Fazia tempo que não ocorria uma queda nesse indicador crucial para medir a solvência do setor público.
Isso aconteceu porque o governo aproveitou parte do ganho de arrecadação para aumentar o superávit primário das contas públicas de 4,25% para 4,5% do PIB. Isso significa que aumentou a economia para pagar a conta de juros, no que foi talvez a mais efetiva medida fiscal do período.
Para este ano, o superávit primário deve cair para 4,1% do PIB, já que a meta é de 4,25%, mas excluindo-se investimentos de R$ 2,8 bilhões, conforme a nova contabilidade que ainda está sendo combinada com o FMI. Mas qualquer que seja a contabilidade, o fato é que sobram menos recursos para pagar juros e abater dívida. As previsões indicam que a relação dívida/PIB ficará estável, se não aumentar.
Ou seja, está acontecendo o contrário do que seria o correto numa visão de médio prazo, aproveitar o ganho de arrecadação para abater dívida e aumentar investimento. E reduzir gasto público em geral para poder começar a reduzir a carga tributária.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 10/01/2005