O CARRINHO DOS RICOS

— Por que um produto barato e sustentável nos EUA chega aqui como um artigo de luxo?—-

Passando os feriados em Key Biscayne, na região metropolitana da Miami, pego carona com um amigo que estava entusiasmado com seu smart car, o micro-carro produzido pela Daimler (Mercedes) na Alemanha e na França. Entusiasmo econômico e ideológico.
Começando pelo ideológico: o carrinho é percebido pelos seus donos como uma demonstração de temperança e estilo modesto, atitude mais condizente com uma economia pós-estouro da bolha de consumo. Conta meu amigo que, durante os tempos do excesso, sempre se admirava com a facilidade pela qual as pessoas compravam carros Mercedes, não o smart, mas os grandões. Estava na cara, continua, que não podia dar certo aquela vida de ostentação e acima das possibilidades reais.
Daí, o smart ? micro, para dois lugares, bagageiro pequeno, mas, de fato, surpreendentemente confortável para duas pessoas. O desenho aproveita bem o espaço, de modo que ele parece maior quando você está dentro do que vendo de fora. Ou seja, vale mais a sensação interna do que a exibição externa.
Daí ao entusiasmo econômico. Diz o amigo: ?Você enche o tanque e esquece. Anda… anda.. e, quando vai repor, nem se lembra quando completou da última vez?.
E o preço? Sabem quanto? US$ 12 mil dólares, assim: 1.500 de entrada e 60 prestações mensais de 220 dólares. No site do carro (smartusa.com), há uma oferta de leasing por US$ 179, válida até 30 de setembro.
Já aqui no Brasil, é carro de rico. Sabem por quanto sai o modelo 2010? Nada menos que R$ 65 mil, ou cerca de US$ 37 mil (com câmbio de R$ 1,75 por dólar). Está certo que o real está valorizado, mas para que o preço equivalente aqui fosse de US$ 12 mil, a moeda americana deveria estar valendo R$ 5,40 ? cotação claramente impensável. Ou seja, há mais fatores além do câmbio nessas comparações.
Agora, tomando pelo lado social, quem compra um carrinho desses no Brasil, de apenas dois lugares e sem bagageiro, 1.0, podendo com o mesmo dinheiro adquirir um Corolla 1.8, por exemplo, é uma pessoa de recursos bem acima da média. Certamente, está no grupo dos mais ricos. E por que compra? Por gostar muito do carrinho, por ideologia, por consciência de sustentabilidade. Ou, como diz um vendedor de automóveis consultado por nós: agrada ao público jovem, tem design diferenciado, se destaca no trânsito, agrada a muitas mulheres, a estrelinha Mercedes dá uma força e, acreditem, estaciona-se com muita facilidade.
Na propaganda do carro, nos EUA e Europa, de fato fala-se dessa facilidade de dirigir e estacionar nas cidades congestionadas. Mas, gente, por R$ 65 mil? Não é luxo, não?
E não é o único caso em que um produto mais ou menos barato nos EUA se transforma aqui em consumo suntuoso, ofertado a preços enormes nos shoppings de classe. Acontece com marcas de roupas e tênis, por exemplo.
Por que? Será por uma decisão de marketing ? elevar o preço para jogá-la numa faixa superior de consumo? Ou, ao contrário, será porque o custo Brasil encarece tanto o produto que só se consegue vendê-lo nessa faixa mais rica?
Apostaria mais na segunda hipótese, para a maior parte dos casos. Pois esse custo Brasil é cada vez mais evidente. Por exemplo: a ?sales tax? (imposto sobre o consumo) em Miami, cobrada sobre um iPad é de apenas 7% . Aqui, só de ICMS, é quatro vezes maior. No smart, por exemplo, o imposto de importação no Brasil é quase cinco vezes maior do que nos EUA.
FHC
Tempos interessantes: praticamente tudo que acontece de bom no país hoje tem origem no Real e no governo FHC. Mas ele só aparece na campanha para ser atacado.
Lula disse na sexta-feira, por exemplo, que FHC não se preocupou com a educação porque ele, o intelectual, já tinha estudado. Mas foi no governo FHC que se conseguiu a marca de colocar todas as crianças na escola ? e isso, a educação formal, mesmo com ensino insuficiente, é causa da melhoria de emprego e renda.
Celebra-se o avanço do crédito imobiliário, mas isso só foi possível com a estabilidade macroeconômica, assentada no tripé superávit primário das contas públicas, metas de inflação com BC independente e câmbio flutuante. A expansão do crédito em geral decorre da estabilidade.
E viram o que saiu na PNAD? O rendimento real médio do trabalho tem subido nestes últimos anos do governo Lula, mas ainda está abaixo do nível verificado entre 1995 e 98, quando a renda dos mais pobres sofria o impacto positivo da fortíssima desinflação.
Mas, como se dizia, fazer sucesso no Brasil dá galho.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 2010

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