O BRASIL SAINDO DA CRISE AGUDA

. Voltando da crise A economia brasileira deu uma virada no curto espaço de quatro meses. Até março último, com todas as vulnerabilidades internas e externas, a situação, se não era confortável, não sugeria a iminência de uma crise financeira. Ela veio, entretanto, e foi escalando. Pode-se dizer que o pior momento foi na virada de julho para agosto..  Como pode uma economia grande e complexa como a brasileira virar tanto em tão pouco tempo? Como a expectativa pode ter mudado tão rapidamente? Os indicadores de março mostram que os investidores locais e internacionais consideravam a dívida externa perfeitamente administrável. Tanto que o C-Bond, o título externo brasileiro mais negociado no mercado internacional, apresentava risco de apenas 708 pontos, ou seja pagava uma taxa de juros de 7 pontos percentuais acima do rendimento dos títulos do Tesouro americano. O dólar se mantinha na casa dos R$ 2,30 e, mais importante, a expectativa para o final do ano era de R$ 2,50, conforme se verificava no boletim Relatório de Mercado, editado semanalmente pelo Banco Central, resumindo os cenários feitos por mais de 100 instituições financeiras e consultorias. A taxa de juros básica, cobrada entre os bancos, ficava na casa dos 18% ao ano, e se entendia então que estava muito alta, esperando-se quedas à frente. Finalmente, a Bolsa de Valores de São Paulo, embora tivesse registrado picos de 14.500 pontos no começo do ano, mantinha desempenho razoável. Em resumo, apesar do ano eleitoral, o mercado dizia, pelos indicadores de março, que a economia estava em recuperação, esperando-se avanços regulares para o período seguinte. Houve, então, uma deterioração do quadro internacional, que atrapalhou todos os países, Brasil inclusive. Mas a isso somou-se o fator estritamente local, eleitoral, que foi a disparada dos candidatos de oposição, antes do processo de moderação, conforme já se comentou aqui em artigos anteriores e que podem ser consultados neste site. Claro que houve outros episódios relevantes – como a confusão armada pelo Banco Central com a marcação a mercado dos títulos carregados pelos fundos de investimento – mas nada disso teria o efeito que teve se não fosse o quadro eleitoral do momento. Pode-se dizer que o pior momento ocorreu na passagem de julho para agosto (veja o quadro). Parecia então que a crise se tornara terminal, cujo desfecho seria o calote nas dívidas interna e externa. Risco país de 2.119 pontos indica isso, véspera do calote. A alta de mais de dez pontos percentuais na taxa básica de juros também indica um quadro em que os bancos não querem emprestar. E isso quando todos os dados mostravam que a possibilidade de o governo não conseguir pagar seus títulos era perto de zero, conforme todo mundo acreditava ainda em março. Começou, então, o processo de reversão. Na última semana de agosto, o Risco Brasil caía para a faixa dos 1.600 pontos, a Bovespa passava dos 10.500 pontos, o dólar se aproximava da casa dos R$ 3,00 e a taxa básica de juros para o nível dos 24%. Melhor do que o pico da crise, mas ainda bem pior do que o cenário de março, o que já causa forte ansiedade. É uma reação psicológica típica após crises que se sucedem rapidamente e cuja origem está mais nas expectativas do que na situação real da economia. Quando pinta a melhora, o mercado e as pessoas colocam-se à espera de um evento que vire tudo de ponta cabeça e restabeleça o quadro pré-crise. Foram candidatos a esse evento o acordo do FMI e seu caminhão de dólares para este e o próximo ano; o apoio dos candidatos de oposição ao acordo; a reunião do presidente FHC com os candidatos; a conversa de Pedro Malan e Armínio Fraga com os banqueiros internacionais; a ação do BC vendendo dólares e financiando as exportações. O pessoal diz: o que querem mais? Lula já rasgou o documento “Ruptura necessária”. Ciro trouxe José Alexandre Scheinkman. O FMI trouxe apoio. O Congresso tornou obrigatório o superávit primário para o ano que vem. Por que a crise, pelo menos no seu aspecto local, não chega ao fim? Mas é assim mesmo. O retorno é lento, não depende de um único evento mas de uma sucessão de coisas feitas corretamente. Cada um daqueles eventos foi um passo. É, pois, um equívoco dizer que o efeito do acordo com o FMI durou um dia ou que não adiantou nada Lula assinar o acordo. Se esses passos não tivessem sido dados, o dólar estaria se aproximando dos R$ 4,00, não voltando para os R$ 3,00. E quase nunca se volta ao ponto pré-crise, basicamente porque a crise ganha dinâmica e conteúdo próprios, deixando mortos e feridos pelo caminho. Não é um retorno, é um recomeço em condições diferentes. Algumas piores, como a dívida que cresceu porque o dólar e os juros subiram porque se temia que a dívida crescesse. Outras, acredite, são condições melhores, como a redução do déficit externo por causa dos efeitos positivos da alta do dólar (mais exportações, por exemplo). E assim vai. Publicado em O Estado de S.Paulo, 02 de setembro de 2002

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