NOVO PIB, VELHOS PROBLEMAS

.   Comemorando o quê?     
O presidente Lula foi direto ao ponto. Disse na sexta, na posse dos ministros: ?O crescimento da economia, mesmo sem estar acompanhado do crescimento de investimento, se deve à extraordinária colocação de dinheiro nos programas sociais". É preciso acrescentar o forte aumento real do salário mínimo que, em sentido amplo, cabe nos programas sociais, já que o governo paga o mínimo a 17 milhões de pessoas, na forma de pensões, aposentadorias ou benefícios.     
A revisão das contas do PIB mostrou exatamente isso: aumentou a participação do consumo das famílias e o peso do governo, tanto na arrecadação de impostos quanto nos gastos. O tamanho do PIB ficou 11% maior e a média do ritmo de crescimento, nos três primeiros anos de Lula, subiu quase 0,6 ponto percentual ao ano. Metade desses dois quesitos deve-se à incorporação da Cofins ao preço dos produtos e serviços.     
O PIB nominal mede o valor de mercado dos produtos ? e aí se incluem os impostos. Por critérios técnicos, a Cofins não era incluída. Passou a ser, os preços medidos subiram e, pois, o PIB. (CPMF e PIS continuam de fora);     
Por outro lado, os gastos do governo aumentaram fortemente no custeio, no pagamento de benefícios previdenciários e de Bolsas e na folha salarial de servidores, cujo número subiu. E o pessoal ocupado passou a ser considerado para a variação do valor adicionado pelo governo.     
Tudo somado, eis a equação: mais impostos, mais gastos públicos, mais distribuição de dinheiro, mais consumo das pessoas e do governo igual a PIB maior.     
Na outra ponta, verifica-se que os investimentos em geral são menores do que se imaginava. Na média, a nova contagem derrubou-os de 19% ao ano para cerca de 16%. E dentro desse número, os investimentos do governo federal revelaram-se menores do que se supunha e em queda. Nos três primeiros anos de Lula, o investimento do governo federal em infra-estrutura foi de 0,59% do PIB.     
Ora, quando o governo retira dinheiro da sociedade e o distribui para determinadas pessoas, incluídas entre as mais pobres, o consumo destas necessariamente aumenta. Isso movimenta a economia, gera atividade.     
Se, ao mesmo tempo, os investimentos crescem, fica quase perfeito. Os investimentos privados em fábricas e lojas colocam no comércio os produtos que os consumidores, com mais dinheiro, vão comprar. A infra-estrutura fornecida pelos investimentos públicos e privados em estradas, portos, energia etc. permitem a ampliação e o trânsito dessa produção pelo país.     
Este lado está faltando, em parte como consequência da própria política distributivista e de aumento do tamanho do Estado. Isso ocorre com o aumento sistemático de impostos, comprovado pela recontagem do PIB. Como este agora é maior, a carga tributária obviamente caiu em proporção do PIB. Mas continua na tendência firme de alta. No primeiro ano do governo Lula, era de 32% do PIB (nova contagem) e se aproxima dos 36%. E três pontos no PIB turbinado de 2005 representam nada menos de R$ 60 bilhões, impostos tomados a mais pelo governo.     
Ora, pagando cada vez mais impostos, as empresas e pessoas poupam e investem menos. Gastando cada vez mais no custeio, no social e no funcionalismo, o Estado investe cada vez menos.     
É exatamente o contrário do que fazem os países que mais crescem: consomem menos e investem mais.     
O crescimento via consumo obtido com dinheiro do governo tem óbvios limites. O primeiro é a capacidade de pagamento de impostos da sociedade. E o Brasil já deve estar passando desse limite que é físico e político. As pessoas e empresas não conseguem mais (por isso vão para a informalidade)  e há uma rejeição social e política.     
O outro limite está na oferta de produtos e serviços, que cresce menos que a demanda. No momento, com folga no comércio externo, o Brasil pode suprir isso com importações ? e é até bom que se importe mais neste momento. Mas há limites à frente.     
 Tudo considerado, o crescimento forte e duradouro depende diretamente do investimento, que gera atividade (e empregos e renda) no momento em que é feito e cria capacidade futura. A relação é direta e universal: quanto maior o investimento, maior o crescimento, maior a riqueza. A China investe mais de 40% do PIB e o consumo é baixíssimo.     
Um salto apenas no consumo gera crescimento só no curto prazo, por uma razão básica: não é possível distribuir a riqueza que não é gerada e esta só é gerada pelo investimento.     
Ou seja, os novos números do PIB mostraram uma economia brasileira um pouco menor, na superfície. No fundo, continua com os mesmíssimos problemas.     
Eis o melhor exemplo: a melhor notícia está na redução da relação dívida pública líquida/PIB. Trata-se do mais importante ? e mais acompanhado pelo mercado ? indicador de solvência do país.     
Essa relação estava em torno dos 50% do PIB, muito alta. Com os dados a serem conhecidos na semana que vem, relativos a 2006, é possível que tenha caído abaixo dos 45% já em dezembro último.     
Para se ter uma idéia da tamanho dessa mudança: pelas contas antigas, somente se chegaria àquele número em 2010. Um ganho de quatro anos.     
Mas, mesmo a 45%, ainda é muito alto.     
Dos quatro principais países emergentes ? Brasil, Rússia, China e Índia ? apenas esta última tem indicador pior que o brasileiro (altíssimos 96,3%). Mas os juros reais que incidem sobre essa dívida são de 1% ao ano, contra os 8,5% do Brasil.     
Para os países emergentes normais, digamos assim, sem crise atual ou que não estejam saído de crise profunda, como a Argentina, a relação dívida pública/PIB vai de 25% para baixo.     
Por outro lado, o ministro Guido Mantega tem comentado que se o investimento é menor e o crescimento do PIB é maior, isso significa que o investimento é mais produtivo aqui. Ou seja, não precisaria chegar aos 25% do PIB para gerar o crescimento de 5% ao ano.     
Verdade, mas não muda a natureza do problema. Antes, era preciso elevar os investimentos de 19% para 25% ao ano. Agora, de 16% para, digamos, 22%. Sendo que agora, como o PIB está turbinado, 6 pontos percentuais sobre o resultado de 2005 representam R$ 129 bilhões (contra 120 da medida anterior). Ou seja, precisa de mais e não de menos investimento.     
A euforia e a comemoração do governo não são apenas exageradas. São completamente equivocadas.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 26 de março de 2007

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