NEGÓCIOS SÃO NEGÓCIOS … PARA OS OUTROS

–A diplomacia brasileira não é protagonista, é utilizada pelos outros—

O governo cubano está trocando presos políticos por vantagens econômicas concedidas pela União Européia. Ou, a UE está comprando a liberdade de meia centena de dissidentes. Trata-se de uma diplomacia realista, que negocia com ditadores para obter resultados na aera dos direitos humanos.
O presidente Lula poderia ter feito isso, não é mesmo? Toda vez que é cobrado pelas suas boas relações com ditadores, o presidente responde que não pode interferir em assuntos internos de outros países e que ?negócios são negócios?. É o que dizem e fazem praticamente todos os chefes de governo de países importantes.
Mas há uma diferença entre ser realista, de um lado, e mostrar-se indiferente ou mesmo dar apoio a ditaduras, de outro. Governantes que têm efetivo compromisso com a democracia e os direitos humanos tentam combinar essa atitude de princípios com uma diplomacia realista. Como? Condenando uma ditadura em uma votação nas Nações Unidas ou fazendo pressão pública pela libertação de prisioneiros, enquanto, ao mesmo tempo, se mantém um comércio que beneficia diretamente a população daquele país.
A União Européia e a Espanha, em especial, que mantém boas relações com o regime de Fidel há muitos anos, fazem isso no limite quando negociam a libertação de prisioneiros políticos. O primeiro-ministro espanhol, Zapatero, recorre a suas boas relações dentro da esquerda internacional para conseguir alguma abertura em Cuba.
O presidente Lula poderia fazer mais do que negociar a libertação de alguns prisioneiros. Reparem as condições, em tese: Lula é amigão de Fidel e de Raul, tem entre seus colaboradores pessoas que se asilaram e treinaram guerrilha em Cuba, mantendo laços afetivos com os dirigentes da ilha, e ocupa um lugar importante na história da esquerda latino-americana.
Acrescente-se a isso o prestígio que o presidente acumulou no mundo todo, onde foi recebido como representante perfeito da esquerda democrática e responsável, e se pode perguntar: quem teria tantas condições para, por exemplo, fazer uma ponte entre o governo Obama e os irmãos Castro?
É evidente que Obama e Hillary Clinton sabem, primeiro, que Cuba não tem mais importância nenhuma no cenário internacional. Para os EUA, é um estorvo local, um problema eleitoral na Florida, sendo que a ampla maioria dos líderes cubano-americanos apóia uma diplomacia que colabore para uma abertura pacífica e ordenada. Finalmente, sabem todos que o embargo econômico não leva a esse resultado.
Mas, é claro, é preciso combinar com os Castro. Não se avança sem uma contrapartida dos cubanos, sem uma disposição para iniciar ou simplesmente sinalizar algum tipo de abertura. Ninguém está esperando que Raul Castro renuncie e chame o pessoal de Miami. Mas todos esperam algum sinal que não seja o reforço da ditadura.
Lula, sobretudo quando ainda era considerado o cara, foi a um dado momento o único líder importante que tinha , ao mesmo tempo, a confiança de Washington e de Havana. Mas para que exercesse o papel de mediador, Lula e seu pessoal aqui precisariam, primeiro, aceitar que o regime cubano é uma ditadura anacrônica e que deveria caminhar para a democratização.
Está claro que não acreditam. Lula apoiou enfaticamente a ditadura cubana em um de seus piores momentos, quando um preso político estava morrendo em uma greve de fome. Votou a favor de Cuba em diversos cenários internacionais. E deixou claro, em seguidos pronunciamentos, que a culpa de tudo está no embargo americano e que os EUA não têm direito de pedir nada ao regime castrista.
Mostrou-se um aliado de Cuba, do mesmo modo como se mostrou em relação ao Irã.
E nem vantagem comercial obteve. Até hoje, apesar do embargo, Cuba importa mais produtos dos EUA do que do Brasil. E o Irã tem entre seus principais parceiros comerciais a Alemanha e a França, cujos governos apoiaram as sanções econômicas.
China
E por falar em diplomacia, desta vez na política Sul-Sul, o governo Lula tem apresentado como um dos resultados importantes a ?parceria estratégica? com a China. E de fato, as exportações brasileiras para a China aumentaram de maneira exponencial nos últimos anos.
Mas todos os países que têm minérios e alimentos elevaram espetacularmente suas exportações para a China. Para ficar apenas na América Latina, a China é o principal destino das exportações chilenas e peruanas e o segundo mais importante para Argentina e Uruguai.
No outro lado do comércio, Chile e Peru importam, em primeiro lugar dos EUA, em segundo da China e apenas em terceiro do Brasil. Argentina importa mais do Brasil, mas em segundo lugar já aparece a China, crescendo. O Uruguai importa, primeiro, da Argentina e, em segundo, da China.
Em todas essas parcerias, a China importa minérios e alimentos e exporta manufaturados e bens de capital. Em todos os países da região, os chineses estão investindo naquelas áreas em que são mais carentes, como terras para a produção de comida, minas (e portos associados) e petróleo. Por exemplo, emprestam dinheiro para a Petrobrás (e para a venezuelana PDVSA) em troca de garantia de fornecimento de petróleo.
Aliás, eis aí um verdadeiro problema de diplomacia econômica para o Brasil: o avanço chinês aqui no nosso lado do mundo.
Mas s China é também a principal parceira do Irã, dos EUA e da Europa. Eis um caso de realismo e de diplomacia de resultados estratégicos …. da China.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 19 de julho de 2010

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