NÃO, O BC NÃO CUMPRIU A META

Inflação de 6,5% no ano é estouro da meta

A gente não gosta de economês, mas um banco central precisa falar numa linguagem rigorosamente técnica. Não importa que seja de difícil compreensão para os leigos. Jornalistas e analistas estão aí para decifrar a coisa, embora seja verdade que às vezes complicam ainda mais. Mas o BC deve ser exato ao dizer como cumpre sua missão de manter a estabilidade da moeda.
Pois o BC brasileiro falhou nesse quesito na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom). E falhou num ponto essencial: qual é a meta de inflação perseguida pelo banco? No primeiro parágrafo da Ata, divulgada na última quinta, o Copom diz: ?pelo oitavo ano consecutivo, a inflação (medida pelo IPCA) situou-se dentro do intervalo de tolerância estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN)?.
É verdade. A meta de inflação no Brasil é de 4,5%, mas se admite uma margem de tolerância de dois pontos para baixo e para cima, em situações excepcionais e fora do controle do BC. Portanto, qualquer coisa de 6,5% para baixo cabe dentro do intervalo de tolerância, abaixo do teto. No ano passado, deu 6,5% cravados. Passou raspando, mas passou.
Já no parágrafo 33 da mesma Ata, ao falar de mudanças estruturais positivas ocorridas na economia brasileira, o Copom diz que isso resultou, entre outros fatores, ?do cumprimento da meta de inflação pelo oitavo ano consecutivo?.
É falso. Cumprir a meta é bater nos 4,5% (ou, vá lá, pertinho disso), como, aliás, o presidente do BC, Alexandre Tombini, repetiu tantas vezes nos últimos tempos. ?A meta é 4,5%, não 6,5%?, dizia.
O leitor que perdoe tanto detalhe, mas o BC não pode dizer coisas diferentes sobre uma questão chave. Reparem: nos últimos oito anos (2004/11), a inflação acertou a meta (4,5%) em apenas dois anos. Em um, ficou abaixo. Nos outros cinco, ficou acima. Na média do período, a inflação anual foi de 5,43%, quase um ponto acima da meta.
Há uma outra interpretação. Também se diz que 4,5% é o ?centro da meta?, de modo que a meta ampliada seria qualquer coisa entre 2,5% e 6,5%. Tudo bem, mas a missão do BC continua sendo a de atingir o centro da meta, como está bem definido nas normas que regulam a política monetária do Banco Central.
Assim, quando o Copom (que nada mais que é a diretoria do BC) fala em oito anos de ?cumprimento da meta?, temos duas possibilidades: ou foi um erro de redação, improvável, ou o BC passou a considerar que, de 6,5% para baixo, está na meta.
Não é apenas uma especulação. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já disse isso algumas vezes, no que era uma posição diferente do BC. A presidente Dilma não disse tão explicitamente quanto Mantega, mas diversos comentários seus sugerem que ela não se inquieta com os 6,5%. Aliás, quando saiu o resultado do ano passado, o governo comemorou como uma vitória.
Dirá o leitor que a presidente faz muito bem, que não tem muita diferença entre 4,5% e 6,5%. Mas tem. Sobretudo porque o Brasil tem combinado inflação elevada, acima da meta ou do centro, com crescimento baixo. Nos últimos oito anos, a média de expansão do PIB foi de 4,3%.
Observação: ao citar os últimos anos como referência, o Copom considera sete do governo Lula e um de Dilma. Deixa de fora o primeiro ano de Lula, 2003, certamente por considerar que foi um período excepcional, em que a economia sofria os efeitos de uma crise de confiança (o medo do PT). Naquele ano, o desempenho foi péssimo, com a economia crescendo apenas 1,1% e inflação de 9,3%.
Tudo bem, olhando os últimos oito anos, começa que 4,5% de inflação já é elevado. Nos países emergentes, a meta costuma ficar nos 3%. Nos desenvolvidos e maduros, 2%. Claro que há situações excepcionais, como os momentos de crise em que vivemos. Nos últimos tempos, muitos países ficaram acima da meta.
Comparem, porém. Com os Brics: o Brasil cresce menos que todos os demais (China, Índia, Rússia e África do Sul). E tem inflação menor que Rússia e Índia, países que têm problemas crônicos nesse quesito. Na América Latina, todos os países mais importantes crescem mais que o Brasil. E só a Argentina tem inflação maior – que também é um caso excepcional, não servindo de exemplo para nada.
Ou seja, o desempenho brasileiro está abaixo da média dos emergentes. Dirão: então por que todo mundo fala do Brasil, por que os investimentos estrangeiros vêm para o Brasil e não, digamos, para o Chile, considerado o mais avançado em política econômica, ou para o Peru, o que mais cresceu nos últimos anos?
Ora, porque o Brasil é grandão ? sete vezes maior que esses dois países somados. Quer dizer, oferece enormes oportunidades de negócio. Além disso, o Brasil, de fato, conquistou a estabilidade macroeconômica, como nota o BC na última Ata, graças às bases fincadas no Plano Real: superávit primário, regime de metas de inflação, acerto das dívidas dos Estados e municípios e câmbio mais ou menos flutuante. E o Brasil estável é um paísão, rentável.
Ora, qual o problema, então? É que o governo Lula e o de Dilma estão apenas se aproveitando de situações ? do crescimento mundial até 2008 e, especialmente, da China, até agora ? e da estabilidade herdada. Apenas vão administrando a coisa do dia ? e nessa gestão andam arriscando em pontos essenciais.
O governo Dilma, especialmente depois da última Ata do Copom, já topa inflação de 6,5%. Tem elevado gastos públicos de custeio e pessoal e reduzido o de investimentos, fazendo superávit à custa de enorme carga tributária. Tem liberado endividamento dos Estados.
Em resumo, está abusando das bases econômicas, das tais mudanças estruturais apontadas pelo BC. Estas trouxeram o país até aqui, mas para crescer mais, com inflação menor, seria preciso um novo salto. Não há sinais disso.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 30 de janeiro de 2012

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