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Não basta uma nota fiscal

Dia desses, perguntaram ao ex-presidente Lula quanto ele cobrava por palestra. Ao seu estilo, meio de brincadeira, meio bravo, ele disse que era fácil saber: bastava contratá-lo. Contato com a LILS Palestras Eventos e Publicidade.

Pois agora é oficial: por conferência no exterior, Lula cobra R$ 375 mil. Pelo menos foi o que recebeu da Camargo Corrêa. 

A informação saiu primeiro em um relatório da Polícia Federal, no âmbito das investigações da Lava-Jato. E foi confirmada pela assessoria do ex-presidente: a empresa LILS recebeu R$ 1,5 milhão da Camargo Corrêa – em três parcelas, de 2011 a 2013 – a título de patrocínio de quatro conferências no exterior.

Considerando-se o mercado internacional de ex-chefes de Estado, pode-se dizer que está muito bem pago. É verdade que Bill Clinton já recebeu até US$ 700 mil por palestra, mas foram casos claramente excepcionais. No mais das vezes, o ex-presidente americano cobra US$ 100 mil – ou cerca de R$ 310 mil ao câmbio de hoje, até menos do que Lula faturou naqueles quatro eventos.

Isso, antes de mais nada, mostra que Lula de fato tornou-se uma estrela internacional de primeira grandeza. Seu governo, especialmente no primeiro mandato e início do segundo, teve uma feliz combinação: política econômica ortodoxa, reduzindo inflação e dívida pública, amplos programas sociais e um boom da economia mundial puxado pelos altos preços das comodities. Boa macroeconomia e distribuição de renda – eis a marca que Lula construiu. E que se mostrou um capital valioso no circuito global de palestras. É uma das vantagens do capitalismo, transformar prestígio, experiência política, conhecimento em dinheiro vivo.

No mercado, ganhar dinheiro não é feio. Além disso, ressalte-se, Lula não é investigado na Lava-Jato. Os pagamentos apareceram na investigação sobre a empreiteira, esta sim envolvida na operação.

Portanto, tudo certo com o ex-presidente?

Mais ou menos. Sendo rigoroso, como se deve ser com um líder político dessa envergadura, há perguntas a fazer.

De certo modo, as mesmas que a imprensa americana tem feito a Bill Clinton. Ocorre que ele não é apenas ex-presidente, mas marido de Hillary, que ocupou o cargo de secretária de Estado no governo Obama, e é candidatíssima a presidente dos EUA.

Assim, quem contrata Bill podia e pode estar querendo mais do que ouvir uma boa conversa. Especialmente se o contratante for um governo ou uma empresa com interesses dependentes de ações da Casa Branca. Qual a resposta para isso? Clinton, o marido, respondeu com transparência. Ampla demonstração sobre as palestras – como, quando, onde, para quem – e prometeu não mais trabalhar para quem pudesse ter interesse na campanha de Hillary.

A mesma questão ética e política se aplica a Lula. Não é apenas o ex-presidente, mas o líder de um partido que permanece no governo, sobre o qual ele exerce notória influência. Além disso, o contratante conhecido neste caso, a Camargo Corrêa, tem notórios interesses nesse governo e na sua política. E fez doações ao PT e ao Instituto Lula.

É por isso que não bastam os contratos e as notas fiscais dadas pela empresa LILS contra os pagamentos da empreiteira. Ok, foram pagamentos formais e legais, mas: para quem foram as palestras? onde? quem mais patrocinou? governos? empresas? quais? em quais circunstâncias?

E ainda: teria havido também serviços de  representação – que muitos chamam de lobby – para a Camargo Corrêa em outros países?

A empresa de José Dirceu, por exemplo, afirma ter feito esse tipo de trabalho para a mesma Camargo Corrêa e outras empreiteiras.

Já houve tempo em que a Justiça brasileira entendia que um documento formal explicava e justificava tudo. Tanto era assim que a boa parte das propinas pagas na Lava-Jato foram nessa forma, mediante notas fiscais e contratos de prestação de serviços. O pessoal tomava cuidados legais.

Mas depois do mensalão e, entre outras coisas, da teoria do domínio do fato, é preciso mais do que uma nota fiscal, mesmo eletrônica.

Pagando dois pecados

Não há dúvida: o ajuste fiscal é o aspecto mais doloroso de uma política econômica ortodoxa, ou de direita, se quiserem.

Também não há dúvida: o forte aumento de impostos é o aspecto mais doloroso de uma política de esquerda baseada no gasto público, conhecida como “taxar e gastar”.

Pois acontece que estamos sofrendo as duas dores. O enorme desastre feito nos últimos anos exige um ajuste fiscal conservador. Para “compensar” esse passo à direita, o PT quer compensar com um giro à esquerda, na forma de um monte de novos impostos, a começar pela CPMF.

É o que dá não termos partidos com programas. O eleito quer acertar com todos os lados e acaba atrapalhando todo o país.