NACIONALISMOS

. Verde-e-amarelo? Um Natal verde-e-amarelo – essa é a expectativa anunciada dias atrás pelo ministro do Desenvolvimento, Sérgio Amaral. Por intuição, entende-se logo o que ele quer dizer: que a festa deste ano se comemore com produtos brasileiros. O ministro não chegou a conclamar o povo a só comprar verde-e-amarelo, no estilo de campanhas como a “buy american” que já foi mais forte nos Estados Unidos, mas ainda aparece ocasionalmente. Também passou longe de qualquer estímulo ao boicote de produtos estrangeiros. Ficou assim como uma sugestão. Parece simples e boa, mas se complica quando se olha a coisa com mais detalhe. Vamos, pois, complicar. O que é verde-e-amarelo? À primeira vista, qualquer coisa produzida aqui. Assim, um panetone – que é tradição italiana – se torna verde-e-amarelo se fabricado em Botucatu, no interior de São Paulo. E se a fábrica for de capital suíço? Não, não é implicância. A pergunta é relevante porque por trás da opção verde-e-amarelo há uma escolha de política econômica. Trata-se de não gastar dólares com a compra de importados, de modo a se conseguir um equilíbrio nas contas externas. Isso conduz à tese segundo a qual o principal problema da economia brasileira é a vulnerabilidade externa – ou seja a dependência de dólares vindos de fora. No limite, essa política leva, por exemplo, à proibição de importações e à restrição de viagens ao exterior. A idéia do Natal verde-e-amarelo é uma versão mais branda, mas coloca, sim, a questão do capital. Sendo a fábrica de capital suíço, terá de remeter lucros para remunerar os acionistas lá na Suíça ou no mundo todo, já que a empresa provavelmente será uma multinacional. Ora, lucros se remetem em dólares, de modo que se perdem divisas do mesmo modo. Assim, verde-e-amarelo mesmo seria o produto fabricado aqui por empresa de capital nacional. Isso impõe limitações. Nesse Natal verde-e-amarelo não se pode comprar automóveis, por exemplo, já que todas as montadoras são multinacionais. Eletrônicos, isso pode. Há pelo menos uma empresa de capital nacional que faz televisores, aparelhos de som, etc. Mas os modelos são todos estrangeiros. Assim, a empresa verde-e-amarelo remete dólares para pagar o uso da marca e da tecnologia – e lá se vão as divisas. Portanto, também não é inteiramente verde-e-amarelo. A limitação agora é maior. Restam produtos nacionais fabricados por empresas de capital brasileiro. Mas o que acontece se o panetone fabricado em Botucatu, em uma fábrica de botucatuenses, utilizar trigo importado? Também vai remeter dólares e assim aumentar a vulnerabilidade externa do país. Neste ponto, verde-e-amarelo é apenas o produto fabricado aqui, por empresa de capital nacional, com tecnologia e matéria-prima brasileiras. Ainda não terminou. Podemos introduzir a questão das máquinas utilizadas na produção. Se forem estrangeiras, também essa empresa vai remeter dólares. A esta altura já está difícil encontrar algo para comprar. E ainda mais quando se pensa no comércio. Existem aqui grandes redes de lojas e supermercados que são de capital estrangeiro. Essas redes, mesmo que só vendam o mais puro verde-e-amarelo, vão remeter dólares para remunerar seus acionistas lá fora. Também afeta a vulnerabilidade externa. O que sobrou? Uma camiseta com algodão nacional, comprada numa loja do bairro. Um panetone com trigo brasileiro ou algo tipo broa de milho local, tudo fabricado com máquinas brasileiras, comprado num supermercado de dono brasileiro sem sócio estrangeiro. O Brasil produz algodão, trigo, milho e máquinas. Mas deixando de lado a questão da qualidade – afinal, em nome da pátria a gente pode comer um panetone mais durinho – tem o problema da oferta. Aqueles produtos nacionais não são suficientes para abastecer todo o mercado atual. Se de algum modo se bloquear a importação, o que acontece? Simples. Sem competição externa, sobe o preço do nacional. Ou seja, o Natal verde-e-amarelo, o legítimo, salva dólares, mas exclui muitos brasileiros cujo poder aquisitivo ficaria aquém dos preços mais elevados. Exclui também muitos brasileiros que trabalham para quem importa. Já os que permanecem no mercado teriam um Natal de qualidade inferior. Como não deve ser esse o propósito, convém flexibilizar o nosso nacionalismo. Afinal, tem a globalização, etc… O ponto passa a ser o seguinte: fábricas de capital estrangeiro ou fábricas nacionais que produzem marcas estrangeiras ou fábricas nacionais que usam insumos ou máquinas estrangeiras ou lojas de capital estrangeiro, todas igualmente remetam dólares. Mas isso é menos oneroso do que importar o produto acabado. Além do mais, fabricar aqui e vender aqui gera empregos aqui. Assim, a Barbie, o BigMac, o Carrefour, a Volks, o Wal-Mart, etc.. todos se tornam verde-e-amarelo pela via da produção e/ou do comércio. E já que se flexibilizou, deve-se incluir a loja de capital brasileiro, com funcionários brasileiros, mas que vende produtos importados. É justo. A importação é legal, a loja aplicou capital brasileiro na compra dos produtos, pagou impostos no Brasil – e aí vem o governo pedir um Natal verde-e-amarelo? Portanto, esses importados devem ser nacionalizados, economicamente, via comércio. E agora já podemos comprar quase de tudo. Só fica fora um produto totalmente importado, vendido em loja estrangeira, onde só trabalhem estrangeiros. Mas se é assim, então o governo não precisaria falar em Natal verde-e-amarelo. Isso seria como tem sido nos últimos anos. Se falou, é porque tem em mente algum tipo de restrição, algo do tipo, compre a boneca da Mônica, não a da Barbie. E isso deixa de fora muitos brasileiros que aplicaram dinheiro e trabalho na produção e comercialização da estrangeira. Então, o que é Natal verde-e-amarelo? É do interesse nacional? Pense em termos de política externa. E se o governo chileno, reagindo ao verde-e-amarelo – que levaria à troca do vinho chileno pelo gaúcho – resolvesse restringir os produtos brasileiros lá? Empresas brasileiras deixariam de vender lá frangos, chester, ônibus, sapatos etc., com o que o Brasil perderia dólares preciosos para as contas externas. Que tal pensar numa verdadeira reforma tributária e outras de modo a dar competitividade à economia brasileira? É mais difícil, dá mais trabalho do que falar em Natal verde-e-amarelo, mas talvez funcionasse melhor. Publicado em O Estado de S.Paulo, 12/11/2001

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