MEDINDO O MEDO DE LULA E O MEDO DE CIRO

. Medos variados A bronca do sistema financeiro internacional não é apenas com o Brasil. A chamada “aversão ao risco”, medo de investir e/ou emprestar dinheiro e perdê-lo, é global, atingindo países e empresas. E decorre de experiências dolorosas recentes. No que se refere à crise dos países, a coisa começou cinco anos atrás, em 1997, com os Tigres Asiáticos. Seguiram-se: Rússia (98), Brasil (99), e Argentina (2001). Nesta última, a situação foi particularmente difícil. O que aconteceu foi pior que os piores cenários traçados pelos investidores. Todos perderam dinheiro: bancos, empresas, poupadores, investidores locais e internacionais, não importa que posição tenham tomado. A rigor, pode-se dizer que só ganharam na crise argentina as famílias locais cujo dinheiro do dia-a-dia e a poupança estavam em dólar papel moeda, guardado em casa. (Falo de experiência própria. Outro dia encontrei uma dessas famílias em Florianópolis. Só trocava dólares na hora de fazer a despesa. Mas, claro, foram poucos casos. O próprio pessoal dessa família contava que quase todos os amigos tinham poupança presa no corralito). Além dos países, bancos e investidores perderam com as grandes empresas globais. Foram três episódios: o furo da bolha da Internet, depois o da bolha das telecomunicações e, finalmente, o escândalo dos balanços turbinados das corporações americanas. No caso das duas bolhas, o processo foi basicamente o mesmo. As empresas levantaram capital de acionistas e tomaram dinheiro nos bancos – tudo em volumes astronômicos – na expectativa de uma demanda (e, pois, lucros) que simplesmente não apareceu. O número de usuários de Internet e das modernas telecomunicações (internet pelo celular ou os palmtops, por exemplo) cresceu muito menos do que o projetado nos delírios de expansão. Resultado: criou-se uma infraestrutura para a qual não há consumidores suficientes. Na Europa, há pouco mais de um ano, companhias pagaram US$ 150 bilhões por licenças na Banda D de telefonia celular, só para descobrir que não havia demanda para mais celulares. Ou seja, quase nada foi instalado, as licenças estão lá à disposição mas obviamente valem muito menos que os US$ 150 bilhões. Dados citados pela revista The Economist estimam que as Telecom globais tomaram US$ 1 trilhão junto aos bancos também globais para financiar uma expansão que não se materializou. Em consequência, calcula-se que as empresas só conseguirão devolver aos bancos US$ 500 bilhões. Os outros 500? Perdas a dividir. Essa sequência de episódios, digamos, financeiros é a principal causa da desaceleração da economia mundial, especialmente dos Estados Unidos. O resultado global é o seguinte, ficando apenas neste 2002: caíram para todos os países os investimentos diretos estrangeiros (IDE); caíram as exportações globais; aumentou o risco país para quase todos os emergentes. Piorou geral, portanto. Mas para o Brasil piorou mais. Por exemplo, entre os emergentes, o risco país (vale dizer, a taxa de juros paga pelos títulos dos governos desses países) aumentou em média 30%, quando se tira da conta Brasil e Argentina. Ora, o risco Brasil foi de 700 (ou 7 pontos de porcentagem acima da taxa de juros paga pelos títulos do Tesouro americano) para mais de dois mil pontos. Resumo da ópera: no mercado financeiro internacional há uma bronca generalizada e mais uma bronca específica em relação ao Brasil. Esta última tem uma origem óbvia: o medo de que o Brasil repita o caso da Argentina. Mas não se trata, por assim dizer, de um único medo. Há uma escala. O medo de que uma argentinização ocorra agora, no governo FHC, é infinitamente menor do que em um próximo governo Lula ou Ciro. E mesmo nestes dois últimos casos, há variações: o medo em relação a um governo Lula moderado de hoje (apoio ao acordo com o FMI, respeito às regras do jogo, nada de rupturas) já é bem menor do que o medo em relação ao Lula de maio, cuja proposta estava no documento “Ruptura Necessária”, que pregava rompimento com o FMI, o capitalismo internacional e previa reestatizações. Também o medo em relação a um eventual governo Ciro Gomes diminuiu depois que ele trouxe para sua equipe de colaboradores o brilhante economista José Alexandre Scheinkman. Do ponto de vista macroeconômico, as diferenças entre Brasil e Argentina são infinitas e favoráveis ao Brasil. O risco concreto de calote nas dívidas interna e externa é perto de zero. O problema é que o mercado demora para entender isso. Além disso, o fator eleições contamina o ambiente, acelera a crise financeira. Assim, o quadro só pode melhorar com: a reação à crise e ação de esclarecimento que o governo atual faz em relação às reais condições da economia brasileira; o avanço do processo de moderação dos candidatos oposicionistas; a melhora da posição do candidato governista nas pesquisas; e o desfecho da questão eleitoral, ou seja quando o novo governo estiver pelo menos formado, com tendência moderada. Publicado em O Estado de S.Paulo, 26 de agosto de 2002

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