MAIS INFLAÇÃO EM TROCA DE MAIS CRESCIMENTO?

. Inflação x crescimento   Quando se apresenta a pergunta em termos amplos – deve-se aceitar mais inflação em troca de mais crescimento? – a resposta é necessária e simplesmente sim. Isso porque nenhum país está bem se não estiver em crescimento, sendo este, afinal, o objetivo central de qualquer política econômica. Desgraçadamente, porém, a resposta simples está errada porque a pergunta simples também é um equívoco. Para ser honesta, a pergunta precisa ser quantificada: quanto de inflação em troca de quanto de crescimento? e por quanto tempo? A meta de inflação para o ano que vem é de 3,5%, medida pelo IPCA, um dos índices de preços ao consumidor do IBGE. A expectativa de crescimento é de 2%, tal como consta no Boletim Focus do Banco Central, que traz a mediana das previsões das principais instituições financeiras do país. Dado esse quadro, se poderia fazer a pergunta: que tal aceitar uma inflação de 5,5%, se isso garantisse um crescimento de, digamos, 4%? Mas também se pode propor uma outra questão: que tal inflação de 15% contra crescimento de 8%? Nos dois casos, trata-se de uma troca entre inflação e crescimento, mas as situações estão a quilômetros de distância uma da outra. Eis aí uma primeira conclusão: todas essas propostas genéricas que têm aparecido no noticiário – o país precisa perder o medo da inflação; o Banco Central tem que arriscar mais na inflação; ou deve ser mais agressivo na busca de crescimento – são manifestações político-eleitorais. Além dos números, é preciso adequar os conceitos à realidade. Ponto básico: não é verdade que todo crescimento traz inflação. É fácil provar: a história recente traz inúmeros exemplos de países que crescem consistentemente com inflação desprezível, isto é, abaixo dos 3% ao ano. De outro lado, não há exemplo de país que tenha crescido durante vários anos com inflação acima dos 10%. Tudo considerado, eis aí uma segunda conclusão: é falsa a questão “mais inflação em troca de mais crescimento”, se estamos pensando em prazos longos. Em períodos curtos, pode acontecer algo parecido. Por exemplo: se o governo emite moeda, toma dinheiro emprestado e detona os gastos públicos, isso vai estimular a economia no primeiro momento. E gerar uma crise de déficit público e inflação mais à frente. Nesse caso, porém, a inflação não terá sido consequência do crescimento, mas do desequilíbrio das contas públicas. Também pode acontecer que, no auge de um processo de crescimento, a demanda supere a oferta, gerando inflação. Se a economia produz 10 geladeiras e importa outras 10 quando há 30 pessoas com dinheiro ou crédito para comprar geladeira, o preço vai subir. De novo, essa inflação não decorre do crescimento, mas da falta de investimento em fábricas de geladeiras ou na falta de dólares para importar mais. Finalmente, convém observar a realidade que está bem diante de nossos olhos: a inflação brasileira subiu neste ano (mais de 7% contra 6% em 2000, sempre pelo IPCA), enquanto a taxa de crescimento caiu (4,4% no ano passado, contra algo em torno de 2% agora em 2001). Outra vez, não foi crescimento que trouxe inflação. O que foi então? Aos números: até outubro, a inflação acumulou alta de 6,2%, sendo que os preços administrados (combustível, energia elétrica e telecomunicações) subiram 9,5%, contra 4,8% dos demais itens, os preços livres. (Preços administrados têm aproximadamente peso 30 no índice geral. Assim, a alta de 9,5% resulta num IPCA de 2,85%). A meta de inflação para este ano era de 4%, com tolerância de dois pontos para baixo ou para cima. O teto será ultrapassado e o problema esteve nos preços administrados. Estes subiram mais por causa de três fatores: petróleo caro lá fora, dólar em alta aqui (levando a aumentos nos preços no atacado, incluídos nos índices de preços gerais, que indexam os contratos de concessionárias de serviços públicos) e a crise de energia. Para o ano que vem, dois problemas estão superados. O dólar está em queda e o petróleo está cotado abaixo dos 20 dólares o barril (tipo Brent, mercado de Londres, tomado como referência para o preço local). Essa atual combinação dólar/petróleo deve levar a uma redução no preço da gasolina já no início de 2002, em torno de 5%. Mas a energia elétrica tornou-se um complicador ainda mais difícil. Espera-se um tarifaço de 30%, que mais do que compensa a queda prevista na gasolina. Para resumir: conforme estimativas amplamente aceitas, só por conta dos preços administrados o IPCA do próximo ano sobe quase 2%. A meta oficial é de 3,5%. Também existe a tolerância de dois pontos, mas o objetivo do BC é perseguir o centro da meta, sendo a margem de erro um seguro justamente contra os inevitáveis erros de previsão. E considerando o centro da meta, os preços livres não poderão subir mais do que 2% no ano todo, de modo a gerar 1,5% no IPCA. Para comparar: só até outubro último, os preços livres subiram quase 5%. Aqui, sim, e só agora, entra a questão do crescimento. Se o BC mantiver os juros elevados no ano todo, isso obviamente reduz o consumo (e o investimento). E se poucos podem comprar geladeiras, não há como o preço subir. Nem por que produzir mais. Ou seja, para manter a inflação na meta, o BC pode obstruir o crescimento. Assim, há duas verdadeiras questões de política econômica a resolver: 1) reduzir ou não o tarifaço de energia elétrica; 2) insistir ou não no centro da meta da inflação. O tarifaço, de certo modo, é necessário. Ao impor o racionamento de energia, o governo impõe um prejuízo às geradoras e distribuidoras. Vendem menos, faturam menos, desequilibram-se financeiramente. Os contratos de concessão prevêem que é preciso corrigir esses desequilíbrios que ocorrem à revelia das concessionárias. O meio mais fácil de fazê-lo é passar a conta ao consumidor, via aumento de tarifas. Além disso, para estimular os novos e necessários investimentos no setor, o governo precisa assegurar rentabilidade. Isto é, tarifas remuneradoras de investimentos caros. Aqui, talvez, a única forma de contornar o problema seja por meio de subsídio público. Em vez de repassar tudo para as tarifas, o governo assumiria parte do prejuízo, remunerando diretamente as concessionárias, de algum modo. Há informações de que o Ministério da Fazenda estuda essa opção. Quanto à meta, economistas ilustres têm dito que o BC não pode vacilar. Tem que perseguir a inflação de 3,5%, mesmo que para isso seja necessário elevar a taxa básica de juros acima dos atuais, e já altos, 19% ao ano. Mas o professor Sérgio Werlang é um economista não menos ilustre. Além do mais, quando diretor do BC, foi o responsável pela implantação do regime de metas de inflação. Pois bem, para ele o tarifaço de energia elétrica é um desses acontecimentos excepcionais que justificam o uso da margem de tolerância. Assim, se o tarifaço produz dois pontos percentuais no IPCA, o BC deveria acomodar essa diferença e passar a perseguir uma meta de 5,5%. Com isso, se abriria mais folga para os preços livres e, também, para juros menores. Finalmente, a combinação de administração melhor das tarifas de energia elétrica com alguma tolerância na meta, dada a excepcionalidade da crise de energia, daria ao BC condições de reduzir os juros mais rapidamente. Eis aí, problemas reais e opções viáveis. Sempre lembrando que inflação acima de 10% ao ano já desorganiza a economia, bloqueia o crescimento e, sobretudo, retira valor dos salários, ponto que os defensores da tese “inflação por crescimento” curiosamente esquecem. REVISTA EXAME, edição 755, 06/12/01

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