—-Todos os países emergentes que tinham alimentos e comodities para vender e que apresentavam estabilidade econômica, cresceram forte, mesmo não tendo Lula—
Foi a cara do governo Lula. O presidente manteve o fator previdenciário, uma reforma estrutural da administração FHC, e concedeu um aumento real mais generoso para as aposentadorias, gastando por conta da elevada arrecadação atual, mas comprometendo os futuros orçamentos públicos.
Acrescente aí o bônus internacional ? o extraordinário crescimento da economia mundial e, muito especialmente da China – e se terá a explicação para o sucesso do governo Lula e de vários outros espalhados pelo mundo emergente.
A ?equação? do título acima se justifica assim: todos os países emergentes que tinham alimentos e comodities para exportar e, internamente, apresentavam bases macroeconômicas estáveis, cresceram de modo vigoroso no período de 2003 a 2008. E todos se recuperam bem da crise financeira.
O Brasil pegou a onda, mas não esteve na frente. Naqueles seis anos, o mundo emergente cresceu, na média, 7,18% ao ano. O Brasil, 4,2%. Dizem alguns: mas a média dos emergentes é puxada para cima pelos asiáticos em geral e pela China, em especial, que não podem ser imitados. Fiquemos então com América Latina e Caribe, na classificação do Fundo Monetário Internacional: pois a região cresceu mais que o Brasil, 4,76% ao ano, também segundo os dados do FMI.
Dirão: mas o governo Lula turbinou o crescimento do país, que vinha de médias muito baixas. Verdade, para o Brasil e para os outros. A média dos emergentes nos anos 90 havia sido de 3,8%. Como o Brasil, essa parte do mundo, sofria com crises internacionais e o andamento das reformas que construíam a base econômica. Depois, todos aceleraram juntos.
O Brasil conseguiu também elevar fortemente suas exportações, que trouxeram os dólares com os quais o Banco Central fortaleceu as reservas ? o seguro que permitiu passar bem pela crise. Para Lula: foi o resultado de sua diplomacia.
Pois aconteceu a mesma coisa com os bons emergentes. A exportação desses países dobrou em volume de 2002 a 2008. Além disso, os preços das comodities também dobraram, em termos reais, nesse período. Todos aumentaram exponencialmente suas vendas para a China.
O BC brasileiro começou a comprar reservas em 2003. Também os colegas. Quando terminou o ano de 2002, os emergentes acumulavam reservas internacionais de US$ 1 trilhão. Seis anos depois, detinham US$ 5 trilhões. Eis por que esses países suportaram a crise e agora se recuperam mais depressa.
O conjunto explica também a alta popularidade de presidentes como Michelle Bachelet, do Chile, ou Alvaro Uribe, da Colômbia. E de Lula, que, entretanto, foi considerado ?o cara? por uma razão bem objetiva: o Brasil, com PIB se aproximando dos US$ 2 trilhões, fica entre os dez maiores do mundo.
Mas se o governo Lula aproveitou bem as circunstâncias, falhou em preparar o futuro. Um dado é crucial: não houve avanço significativo no volume de investimentos, que constroem a capacidade de crescimento.
Muitos países emergentes fizeram a lição. Conforme dados do FMI, no período 1996/2003, esses países investiram 24,9% do PIB, na média anual. Já na era dourada de 2004/08, esses investimentos saltaram para 28,5% ao ano, um ganho de 3,5 pontos percentuais. Em 2008, foram de 29,9%.
O Brasil registrou média de 16,3% do PIB entre 1998 e 2003, subindo para apenas 16,9% no bom período 2004/08. O volume mais alto foi o de 2008, de 18,7%. Resumindo: se seguisse a média dos emergentes, o Brasil teria investido a mais a impressionante cifra de R$ 300 bilhões.
É inequívoco, consumimos mais do que poupamos e produzimos. A começar pelo governo. O presidente Lula aproveitou o bom momento da economia e os conseqüentes ganhos de arrecadação para aumentar fortemente os gastos públicos não investimentos.
Pessoal, por exemplo: entre 2002 e 2009, o número de funcionários ativos do governo federal aumentou em mais de 60 mil. Nas estatais federais, o aumento foi de nada menos que 100 mil.
Terá se elevado na mesma proporção a eficiência do serviço público oferecido? Nossos alunos estão aprendendo mais?
E, mais importante, o governo Lula está ampliando o buraco previdenciário. Aprovou, no primeiro mandato, uma reforma da previdência do setor público, mas não a implementou. E a política de aumento real do salário mínimo, herdada do governo anterior e turbinada, se distribui renda entre uma parte da população, gera um passivo previdenciário para o qual não há previsão de cobertura.
Resumo da ópera: governo Lula se aproveitou da estabilidade e do boom mundial e chinês, mas não avançou efetivamente em nenhuma das questões essenciais para o futuro, a saber, educação, infra-estrutura, carga tributária (que aumentou) e estrutura e eficiência do gasto público.
Publicado em O Globo, 17 de junho de 2010