LULA E SEUS CONSELHEIROS

. Um pito no Conselho A principal função do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social é desenhar um novo contrato social. Nada menos que isso. Um novo governo parece ser pouco na perspectiva do PT. O plano é constituir uma nova sociedade brasileira, e daí o Conselho, cujos membros foram escolhidos pelo presidente Lula de modo a representar a sociedade civil. O serviço divide-se assim: o Congresso Nacional e o Executivo Federal cuidam do dia-a-dia do país, no horizonte de uma administração, e o Conselho trata da nova sociedade, para gerações. Muitos conselheiros, entretanto, ou não se interessaram por essa missão de futuro ou entenderam sua participação no órgão como uma maneira de influenciar a ação imediata do governo, mais especificamente, sua política econômica. Com o apoio do ministro-secretário do Conselho, Tarso Genro, introduziram o debate em torno de um documento que tratava de conciliar “fundamentos estratégicos para o desenvolvimento” com propostas de “medidas imediatas para retomar o crescimento”. Saiu um conjunto de argumentos e propostas que se opõem frontalmente à política econômica pensada e praticada pelo governo. Saiu, em resumo, mais uma versão do tal Plano B. Qual seria o propósito de seus autores? Sendo uma proposta de medidas de aplicação “imediata”, o texto colocou o presidente numa saia justa. Se ele aceitasse as recomendações do Conselho, aliás, seu órgão consultivo, precisaria chamar o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e dizer-lhe mais ou menos o seguinte: esqueça tudo que foi feito até aqui, o novo cardápio é este aqui. Na verdade, se o presidente manifestasse um mínimo de consideração pelas teses do Conselho já criaria problemas para a autoridade do ministro Palocci. Os mercados perceberiam na hora e reagiriam a seu modo. Bolsa e dólar entrariam em posições opostas à de hoje. Não surpreendeu, portanto, a resposta do presidente Lula na reunião do Conselho na quinta-feira da semana passada. Simplesmente passou um sabão nos conselheiros que defendem a agenda alternativa. E reforçou como nunca a linha Palocci. Ponto por ponto: conselheiros reclamaram da política de juros do Banco Central. Alguns querem uma meta mais ousada de redução, outros pediram redução “drástica” da taxa. Lula descartou o “drástica”, recomendou paciência, chancelou o gradualismo do BC. Conselheiros sugeriram que o BC e a Fazenda controlem a taxa de câmbio, de modo a garantir um real permanentemente desvalorizado para apoiar as exportações. Lula: “O que vai estabilizar a nossa moeda é a estabilização da economia e da política. Não vai ser o tacão do presidente do BC, do ministro da Fazenda ou do presidente da República. Vai ser a lógica da confiabilidade que conquistamos no mundo”. Conselheiros pediram mais investimento público como alavanca do crescimento. Lula: “Vocês sabem que no frigir dos ovos o dinheiro (do orçamento) que fica para os investimentos é sempre muito pouco. Então temos que procurar quem tem dinheiro. São os nossos amigos empresários espanhóis, italianos, portugueses, franceses, chineses, libaneses, sei lá”. Documentos que circularam entre os conselheiros dizem que o país passa por severa crise, isso justificando ação imediata e, obviamente, diferente do que vem sendo feito. Lula disse que o pior já havia passado, que as coisas estavam avançando (citou a votação das reformas) e garantiu: “Todos podem ficar tranquilos que a nau tem comandante e não vai ser nenhuma onda, porque eu não sou surfista, que vai fazer eu tomar medidas precipitadas”. Seria uma onda a proposta de medidas imediatas do Conselho ou de parte dos conselheiros? O fato político é que foi de uma ingenuidade espantosa essa tentativa de subverter a política econômica. Porque é disso que se tratava. Os documentos que circularam no Conselho incluem ressalvas, dizem que ninguém está brigando com o governo, e propõem o inverso do que se faz. Acharam que ninguém perceberia? Quem sabe agora o Conselho se volta às funções de longo prazo, o novo contrato social, que deve incluir os arranjos institucionais necessários para se garantir ao país um crescimento sustentado por gerações. Mas também nisso há divergências. Basta comparar o documento “Roteiro para a nova agenda de Desenvolvimento Econômico”, que aparece no site do Ministério da Fazenda, com os textos produzidos no âmbito do Conselho (não publicados mas que se pode obter com alguns conselheiros). São caminhos claramente diferentes, de modo que o Conselho talvez não seja de muita utilidade para o presidente Lula. Vai ver é outra idéia que está mudando. Publicado em O Estado de S.Paulo, 08/09/2003

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