LULA DE ESQUERDA E LULA NEOLIBERAL

. Abraça Chávez, veta o salário mínimo        
Não tinha como dar certo. Juntar todo mundo que tem alguma bronca do capitalismo em geral, do neoliberalismo e da globalização em particular, pode dar um animado fórum social de Porto Alegre, mas não forma um governo. Lula se elegeu com o fórum, incluiu muitos de seus representantes no governo, mas não lhes deu o poder de fato. Entendeu que, para administrar, precisaria da turma neoliberal e lhe deu bastante poder. Miguel Rosseto, do fórum, foi para a reforma agrária. Mas quem toca a política agrícola é Roberto Rodrigues, eficiente representante do agronegócio capitalista e globalizado.     
Mas por uma, talvez, defesa psicológica, Lula continuou acreditando que estava ali cumprindo os ideais do fórum, aos quais as elites estariam se curvando. Do mesmo modo como acredita que sua política externa independente ? coisa do fórum ? é um sucesso porque enfrentou os grandes e ricos do Norte e, assim, impôs os interesses dos pobres, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo emergente.     
Ora, é verdade que os ricos do Norte apreciaram a entrada de Lula na cena internacional. Mas não pela agenda terceiromundista e sim pela política econômica à moda do FMI. É o exemplo de que precisavam de uma ?esquerda responsável?, para opor a líderes populistas como Hugo Chávez, este sim, um legítimo representante do fórum social. Mas Lula não é amigo de Chávez? O presidente venezuelano não esteve em Brasília na semana passada para dar apoio ao brasileiro e denunciar uma conspiração de direita?     
Aqui entre nós, isso não tem a menor importância. Lula pode abraçar Chávez quanto quiser se, por exemplo, vetar o salário mínimo de 380 reais por considerá-lo ?irresponsabilidade fiscal?.     
Na verdade, o pessoal lá fora não está preocupado com a agenda terceiromundista, por uma razão simples. Sabe que ela não existe. Países emergentes têm interesses diferentes, variando conforme sua condição econômica.     
Lula recebeu o presidente chinês, Hu Jintao, concedeu à China o status de economia de mercado e declarou parceria estratégica. Segue o comércio e o que se vê? Não somos parceiros, somos concorrentes na maior parte dos assuntos estratégicos. Os chineses querem com o Brasil uma parceria de rico para pobre. Eles compram nossas comodities (porque não as têm) e nos vendem suas manufaturas. E estratégico só para eles. O Brasil precisa é exportar também manufaturas ? e aí é só competição.     
Lula também achou que, dada a simpatia com que foi recebido mundo afora, os demais países estavam reconhecendo a liderança dele e do Brasil. De novo equivocado: a admiração era pela democracia brasileira, que permitia a ascensão de um operário, num ambiente de normalidade institucional e econômica. A simpatia era para a pessoa de Lula, sua simplicidade, sua animação com o cargo, seu estilo amigável, gente boa.     
Negócios à parte, é claro. Os candidatos brasileiros na Organização Mundial do Comércio e no Banco Interamericano de Desenvolvimento foram derrotados de maneira acachapante. No caso do BID, nem o Paraguai votou no candidato brasileiro à presidência. E nem o Uruguai do presidente Tabare Vasquez, o Lula deles, que devia favores ao nosso.     
Eis aí, a esquerda petista não se cansa de reclamar que Lula conversa demais com o Bush, para dizer o mínimo. Parece que Bush e Lula, de fato, se deram pessoalmente bem. Mas o banco de desenvolvimento é outra história.     
Na verdade, o grande êxito da diplomacia brasileira foi melar as negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que o pessoal do fórum social ainda considera um projeto dos EUA para anexar a América Latina. Só que a diplomacia Lula pretendia derrubar o Acordo no quadro de um grande movimento de rejeição da AL em relação ao rico do Norte. E o que se vê? Os demais países tratando de fazer acordos diretos com os EUA, o Brasil cada vez mais isolado.     
Esse fracasso monumental só não é mais visível dado o tamanho da crise política, na qual, aliás, se encontra o mesmo padrão. O que funciona no governo? É a Fazenda, o Banco Central, a Agricultura, o Desenvolvimento ? justamente a parte comandada por aqueles que, na linguagem do fórum social, não passam de neoliberais. A economia real está solidamente ancorada e assim ancora o governo, que ainda tem o apoio das elites empresariais.     
Mas quando precisa colocar seu bloco na rua para defender seu governo, Lula recorre ao pessoal do fórum ? acreditando ser seu legítimo representante. E é, mas por falta de alternativa do pessoal da esquerda.     
Os militantes têm dito que a sustentação de Lula exige, em tese, mudanças na política econômica. O presidente não tem a menor intenção de fazer isso, como deixou claro no seu discurso de sexta-feira, que começou justamente com o elogio da situação econômica.     
A esquerda petista cogitou abandonar o PT. Mas se fizer isso, cai no pequeno Psol ou em sigla ainda mais limitada. Isso simplesmente significa mais muitos anos à margem do poder. É isso, com Heloisa Helena,  ou Lula, mesmo com suas atuais companhias.     
A parte de Lula será fazer alguns gestos à esquerda, como o abraço de Hugo Chávez e a retórica da política externa. Mas no que será que eles todos acreditarão? No jantar com Chávez ou no superávit primário? Publicado em O Estado de S.Paulo, 16 de agosto de 2005 
      
 

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