LÓGICA DO ABSURDO

. –aeroportos, tudo estatal, e não funciona—

Considerem aeroportos ? é tudo estatal, um setor que só depende do governo. As tarifas de embarque e operação são caras, para passageiros e para as companhias aéreas, mas os serviços estão longe de eficientes. É preciso ampliar os aeroportos existentes e construir novos, mas os investimentos atuais, públicos, do PAC, mal dão para um quebra-galho, e atrasado, em algumas unidades. Há muito filé mignon, operações lucrativas ou que poderiam sê-lo, mas a Infraero, estatal que administra o setor, não consegue fazer aí o dinheiro necessário para melhorar as carnes duras.
Em resumo, trata-se de um fracasso, cada vez mais evidente na medida em que o país cresce e aumenta a demanda de passageiros e carga. Com a aproximação da Copa e das Olimpíadas, a situação é simplesmente crítica.
E o que faz o governo Lula? Não sabe. Por uma mistura de ideologia e incompetência mesmo, a coisa não anda. Por exemplo: o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que manda na Aeronáutica, dona da Infraero, havia anunciado planos de abrir o capital da estatal, vender ações em bolsa e assim levantar o dinheiro necessário para novos investimentos.
Era uma idéia interessante, mas ficou por aí. Pelo que dizia o ministro, os papéis da Infraero estariam no mercado em … fevereiro de 2009. Também parecia, em um dado momento, que a privatização ? pelo sistema de concessão a empresas privadas de aeroportos atuais ou a construir ? era uma hipótese bem vista na assessoria de Jobim. O governador do Rio, Sérgio Cabral, pediu esse tipo de privatização, e urgente, para o Galeão.
Mas também não andou. Aqui houve uma curiosa mistura de doutrina de segurança militar e ideologia estatizante. Para oficiais da Aeronáutica, a aviação, sendo estratégica para a defesa, pois o país pode ser alvo de um ataque aéreo, tem que ser controlada pela Força Aérea. Para um certo pensamento político, a aviação é estratégica para a economia local, por isso tem que estar em mãos nacionais e estatais.
Os dois pontos de vista são atrasados. O fato de um aeroporto ser administrado por uma companhia privada não impede que a Aeronáutica cumpra suas funções de segurança. Mesmo que o controle do tráfego aéreo seja civil e terceirizado, nada impede que a Força Aérea controle o espaço nacional com seus jatos e satélites.
Na verdade, falando francamente, o pessoal da Aeronáutica e do governo em geral quer conservar a Infraero por razões corporativas. É mais uma fonte de poder, cargos e oportunidades de negócios.
E se o setor é estratégico para a economia nacional, como é, não se conclui daí que tenha de ser estatal, mas eficiente. De onde se tira a conclusão que transportar passageiros e cargas é função do Estado? A segurança é atribuição do Estado, mas o governo não precisa ser dono e operador de um aeroporto para colocar ali os seus policiais.
Na verdade, um aeroporto bem administrado por uma companhia privada até colocaria mais recursos à disposição da segurança.
Por outro lado, a experiência internacional mostra que há aeroportos privatizados, de diferentes maneiras, que funcionam muito bem. Companhias brasileiras assumem obras de aeroportos em outros países e poderiam perfeitamente administrá-los por aqui. E certamente haveria competição na disputa das concessões, inclusive com a entrada de empreiteiras estrangeiras ? o que melhoraria o preço a ser cobrado pelo governo na outorga da concessão. Poderia, por exemplo, cobrar isso em dinheiro ou em serviços em outros aeroportos não atraentes para a iniciativa privada.
Segundo informações obtidas com fontes do governo Lula, essa opção está por enquanto afastada por causa das eleições. Em um momento em que o presidente está entusiasmado com a criação de novas estatais e numa campanha em que o investimento público via PAC é uma bandeira, como justificar a privatização de um setor tão importante?
O que nos conduz a um absurdo. Temos um setor inteiramente estatal que é um fracasso, um obstáculo ao crescimento do país, uma ameaça à Copa e às Olimpíadas, mas que não pode ser privatizado para não atrapalhar o quê? Mais estatização!
Publicado em O Globo, 04 de março de 2010

Deixe um comentário