LICENÇA POLÍTICA – 2-

. —Políticos estão enganando os aposentados—

A história da Previdência Social, mundo afora, ao longo de décadas, pode ser assim resumida: as pessoas e empresas contribuem cada vez mais e os aposentados recebem cada vez menos. Isso ocorre em todos os países que utilizam o sistema de repartição, pelo qual os atuais trabalhadores, com sua contribuição, pagam os benefícios dos aposentados. Como a população vive cada vez mais, conseqüência do progresso, os que trabalham precisam sustentar um número cada vez maior de aposentados. Financia-se isso com uma combinação de cobrar mais dos ativos, pagar menos aos inativos e obrigando todos a trabalhar mais anos.
Podem verificar a situação em qualquer país. Discute-se reforma da Previdência em toda parte. Na maioria, a idade de aposentadoria está sendo elevada e o benefício, limitado.
No Brasil, além do mais, é preciso acrescentar uma história de desmandos. Por exemplo: a Constituição de 88 incluiu no INSS milhões de trabalhadores rurais que não haviam contribuído. Mais para trás, governos abusaram do dinheiro da Previdência, quando esta era rica. No começo, como está todo mundo trabalhando e ninguém aposentado, a Previdência nada em dinheiro. Poucos governos resistiram à tentação. JK, por exemplo, torrou em Brasília muito dinheiro que seria dos aposentados.
Além disso, nas fases de ouro, o sistema foi extremamente generoso, concedendo aposentadorias precoces, muito precoces, e de valor relativamente elevado.
Mais recentemente, os governos FHC e Lula embarcaram numa política de aumentos reais, acima da inflação, para o salário mínimo, que é o piso dos pagamentos do INSS. Foram aumentos reais de até 120%, isso benficiando cerca de 18 milhões de pessoas, dois em cada três aposentados. É óbvio o impacto disso nas despesas do sistema.
Mesmo que não fosse assim, porém, não haveria condições no Brasil de se pagar hoje uma aposentadoria equivalente a dez salários mínimos para um número amplo de beneficiados. Não há condições macroeconômicas de sustentar um teto desse valor.
Observem estes números. Dez salários mínimos equivalem a R$ 4.650 ao mês, ou R$ 60.450 ao ano (13 pagamentos). Isso equivale a três vezes a renda per capita brasileira (pouco menos de 20 mil reais/ano).
Considerem agora um país pobre, os Estados Unidos. A Previdência pública paga um teto em torno dos 2.400 dólares, para quem se aposenta com mais de 66 anos, mais o tempo de contribuição, claro. Isso dá US$ 28,8 mil por ano (12 pagamentos), o que representa dois terços da renda per capita nacional.
A Previdência brasileira já prometeu e já pagou pensões de vinte salários mínimos. Mas isso quando era pequeno o número de aposentados e o salário mínimo, baixo. Na medida em que cresce o número de aposentados e, mais recentemente, se eleva o valor real do mínimo, as promessas simplesmente não podem ser cumpridas. Falta o dinheiro.
É o que aconteceu. As pessoas se aposentaram ganhando dez mínimos e hoje recebem bem menos.
Estes são os pontos básicos a considerar. E isso para responder ao grande número de emails com críticas à coluna da semana passada, nesta mesma página. O artigo dizia que é irresponsável e demagógico o projeto de lei que determina a correção das aposentadorias de valor superior ao salário mínimo, de modo a restabelecer a equivalência benefício/mínimo vigente no momento da concessão.
Uma crítica sustenta que há dinheiro e que não há déficit na Previdência. Gente, isso é um absurdo monumental.
Dados do Ministério da Fazenda mostram: Previdência arrecadou R$ 39,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano e pagou R$ 51,4 bilhões. Déficit.
Diz a crítica que é preciso tirar os aposentados rurais, contrabandeados para o sistema, e que deveriam ser pagos pelo Tesouro. Mas, gente, esses já são pagos pelo Tesouro, pois a arrecadação da Previdência não cobre e é complementada por aportes do caixa geral do governo.
Mas tiremos da conta os aposentados rurais. Continua no déficit, menor, coisa de R$ 3 bilhões no trimestre, mas necessariamente crescente, dados aqueles fatores citados acima.
Dizem ainda: com o dinheiro das contribuições sociais fecha-se a conta da Previdência. Mas esse dinheiro está sendo utilizado em outras despesas, que ficariam descobertas. Ou seja, em qualquer caso, um aumento forte das despesas da Previdência causa, sim, um impacto nas contas do governo federal. E será preciso aumentar os impostos, na mesma proporção, ou cortar outros gastos.
Repetindo: é inteiramente falsa a tese de que se pode conceder um aumento real às aposentadorias de valor superior ao mínimo sem desequilibrar as contas públicas. É falsa a tese de que há dinheiro na mão para se recompor a equivalência com o mínimo.
No lado ético, os críticos sustentam que é injusta a diferença de tratamento entre os aposentados do setor privado e aqueles do setor público. Sim, foi muito injusta, pelo menos até a reforma da previdência dos funcionários de 2003. Mas isso não faz aparecer o dinheiro.
Do mesmo modo, não há lógica na tese segundo a qual quem se aposentou com dez mínimos tem o direito de ganhar sempre o equivalente a dez mínimos. Todos têm o direito de correção das aposentadorias pela inflação, de modo a manter o valor real. Se o governo decide elevar o mínimo, esta é uma política de distribuição de renda que não gera outros direitos.
Mas o que mais entristece é a atuação de políticos que fazem sua carreira vendendo ilusões aos aposentados. Recebi depoimentos dramáticos de pessoas cuja vida revela como o Estado fracassou por aqui. Será nosso próximo tema.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 11 de maio de 2009

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