Licença para enganar

Muita gente diz que nos Estados Unidos é pior. Não é. Sobram lá os ataques pessoais, assim entendidos como

a crítica feita diretamente à pessoa do candidato, não tanto a suas posições. Por exemplo: dizer que o cara é incompetente, falso e sem moral para ser presidente.

    Acontece. Cada campanha assume os riscos desses ataques. Sim, riscos porque muitas vezes produzem efeito contrário. De todo modo, os candidatos não têm como escapar de posições definidas sobre os grandes temas nacionais e internacionais.

    Considerem os debates pela televisão, aliás, uma invenção da democracia americana. As regras são mínimas, em geral selecionando apenas o assunto central, por exemplo, diplomacia ou economia. Os mediadores, jornalistas, têm ampla liberdade para perguntar e reperguntar, para gastar tanto tempo quando considerem necessário para esclarecer uma posição.

    Aqui, por exigência dos candidatos, nisto apoiados pela legislação eleitoral, não por acaso feita pelos próprios políticos, as regras são colocadas de modo a criar menos riscos para os participantes. Falando francamente: são regras para permitir que os candidatos se escondam nas generalidades e não sejam cobrados por isso.

    Fica, pois, assentado que campanha é assim mesmo, umn vale tudo emocional, sem relação  com os fatos e com a lógica, e, sobretudo, não constitui um compromisso de governo. Eis uma ideia generalizada por aqui.

    Trata-se de um dano para a democracia. Primeiro, porque coisas de campanha acabam sendo coisas de governo. O candidato passa o tempo todo fugindo de temas como reforma da previdência, da legislação trabalhista ou ineficiência do serviço público – e não terá como introduzi-los no governo, mesmo porque logo haverá outra eleição.

    Segundo, campanhas assim não formam opinião geral ou consensos ou mesmo maiorias sobre políticas de governo. Surgiu assim uma geração de líderes de campanha, tão vagos e tão indefinidos como suas propagandas de rádio e tevê. No governo, esses líderes tratam de empurrar com a barriga, atender clientelas organizadas e não criar caso com ninguém.

    Por isso, aliás, acontecem alianças que parecem estranhas, mas que na verdade são muito lógicas, pois estão todos na geléia geral.

    Claro, não é todo mundo igual. Há níveis e escalas. Marina, por exemplo, foi surpreendentemente clara, para os padrões vigentes, quando propos a independência do Banco Central ou a flexibilização da legislação trabalhista. Verdade que precisou depois “amenizar” a última proposta, mas foi um avanço.

    Pequeno, entretanto, porque não se discutiu em toda a campanha um tema crucial para a produtividade da economia brasileira: a terceirização do trabalho. 

    E a campanha da presidente Dilma está no lado oposto, no lado do máximo vale tudo: banqueiro é ladrão de comida, os ricos querem expulsar os pobres dos aeroportos, a imprensa é contra o povo, as empresas querem matar os seus trabalhadores para ter mais lucro, ter uma colaboradora acionista de banco é grave falta pessoal.

    Já ter aliados na cadeia ou perto disso é perseguição política do judiciário das elites.

    Classificar isso de esquerda ou progressista ou popular é até injusto com as doutrinas socialistas ou trabalhistas. Cai mesmo no lado dos bolivarianos. E se é tudo coisa de campanha, é pior ainda: um bolivarianismo insincero!

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