INDEXAÇÃO DO BEM?

-A PRESIDENTE DILMA FAZ UMA BOA CRÍTICA DA INDEXAÇÃO. MAS CONSEGUIRÁ EVITÁ-LA, NA PRÁTICA?–

Perguntada sobre a correção da tabela do Imposto de Renda, a presidente Dilma Roussef deu uma boa resposta de economista. Foi em Porto Alegre, 28 de janeiro, quando ela criticou a proposta de reajuste da tabela pela inflação passada.
Disse: ?Jamais damos indexação inflacionária …No que se refere a esse reajuste, teríamos de olhar não para a inflação passada, porque isso seria carregar a inércia inflacionária para dentro de uma das questões essenciais que é o Imposto de Renda. O que foi dado sempre foi uma mudança baseada na expectativa de inflação futura”. E arrematou: ?… Não discutiremos qualquer política de indexação”.
Correto. Esse tipo de indexação perpetua a inflação passada. É um enorme problema brasileiro do momento. Como há muitos preços indexados, fica impossível levar a inflação para taxas abaixo de 3% ao ano, nível que poderia ser o mais adequado para o Brasil e que garantiria mais conforto para o orçamento das famílias.
Dias depois, porém, ao discursar na abertura dos trabalhos do Congresso Nacional, Dilma informou que vai apresentar um projeto de longo para o salário mínimo, de modo a garantir “ganhos reais sobre a inflação?. Ou seja, a atualização pela inflação e mais alguma coisa.
O acordo firmado no governo anterior com as centrais sindicais vai nessa linha. Estabelece que o salário mínimo será reajustado pela inflação do ano anterior e pelo crescimento da economia (medido pelo Produto Interno Bruto) de dois anos atrás. Assim, o mínimo de 2011 deveria ser o valor do ano passado mais 5,9% (a inflação de 2009) e, surpresa, menos 0,6% (já que o PIB caiu no ano passado).
Isso daria R$ 536, que o governo Lula arredondou para R$ 540. E agora o governo Dilma está negociando R$ 545. Isso é uma completa indexação. E a presidente, pouco antes de assumir, ainda em novembro do ano passado, defendeu essa fórmula herdada.
Aliás, para 2012 essa regra garante um reajuste muito bom.A inflação deste ano deve ficar na casa dos 5,5% e o PIB de 2010 deve ter sido de 7,5%. Partindo de R$ 545, o mínimo iria para R$ 618, um salto de quase 14%.
Como a Previdência paga o mínimo para cerca de 23 milhões de aposentados e pensionistas, a despesa do INSS teria um acréscimo brutal de R$ 21,8 bilhões, simplesmente a metade do déficit atual.
Talvez por isso, a presidente tenha dito no discurso no Congresso que o projeto para o salário mínimo deve garantir ganho real, mas sendo ?compatível com a capacidade financeira do estado brasileiro?.
Aquela fórmula não é compatível com a capacidade da Previdência, o maior problema macroeconômico do país. Sendo jovem e de renda média, o Brasil tem gasto público com aposentarias de país rico e idoso (11,5% do PIB).
Se fosse adotar essa fórmula herdada do governo anterior, Dilma não precisaria dizer que vai apresentar um novo projeto para o mínimo. E considerando o comentário sobre a tabela do IR, será que a presidente está pensando em alguma regra baseada na expectativa de inflação futura?
Já houve uma política assim por aqui. Foi durante o regime militar. E resultou em arrocho pois a inflação efetiva acabou sendo maior que a estimada.
Como ficamos? A ver, mas Dilma terá que tirar um coelho da cartola para atender os três requisitos: ganhos reais constantes, sem indexação e compatibilidade com a capacidade financeira do setor público.

Reverso
Vejam como política econômica é complicada. Aqui no Brasil, celebramos a taxa de desemprego mais baixa da história recente, mas temos de lidar com uma inflação alta e ameaçadora. E parte dessa inflação tem a ver justamente com o mercado de trabalho ? numa situação de quase pleno emprego, em que faltam trabalhadores para diversas funções, os salários sobem acima da produtividade e isso é, sim, inflacionário. As empresas terão que repassar o custo maior para seus preços ? e o consumidor topa justamente porque está ganhando mais e tem mais crédito.
Já nos EUA, Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, Fed, o banco central deles, disse na semana passada a recuperação de seu país enfrentava dois problemas: taxa de desemprego muito alta e inflação muito baixa.
Que o desemprego alto é um problema, entende-se de imediato. Mas inflação muito baixa? Pois é, inflação muito baixa (0,8% lá nos EUA, e isso em alta) indica consumo retraído e desestimula a produção. As empresas não aumentam a produção temendo que não conseguirão vender ao preço que garanta a apropriada margem de lucro. E com preços que nunca sobem, podendo cair, o consumidor deixa para comprar depois. E aí mesmo é que estraga tudo, caem consumo e produção.
Economistas e gestores de política econômica passam o tempo todo procurando o impossível: qual o ritmo de crescimento que cria os empregos necessários e aumenta a renda das pessoas e do país, sem gerar inflação e outras distorções?
Impossível porque se trata de um alvo móvel. Em economia, estamos falando do quê? Do comportamento de seres humanos ? razão e paixão, cérebro e sentimentos ? com suas decisões de gastar, poupar, investir.
Mas desemprego alta e inflação baixa é pior.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 07 de fevereiro de 2011

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