IMPOSTOS, NÃO. GASTOS, SIM. ESQUIZOFRENIA

. Esquizofrenia Esta esquizofrenia não é apenas brasileira, é universal. Em qualquer país, as pessoas odeiam pagar impostos e, ao mesmo tempo, demandam mais serviços e obras do governo. No mais das vezes, o quadro se mantém equilibrado – um imposto aqui, um hospital ali, uma taxa aqui, a coleta de lixo ali, e assim vai. Mas há crises agudas, quando se exacerbam ou as demandas de gasto público ou a repulsa por impostos. Parece que esse é o caso do Brasil no momento, com uma agravante. Sob pressão dos eleitores para mostrar mais serviço, os políticos no governo são cada vez mais criativos na invenção de impostos. Tome-se o caso dos prefeitos. Querem cobrar taxas das empresas que usam o sub-solo, o solo, o espaço aéreo e os postes para passar cabos de telefones, tevê, internet. Pode parecer estranho, mas é apenas uma sequência do que fizeram os governos estaduais, quando conseguiram acrescentar um S no ICM, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, que passou a incluir serviços e pesou sobre toda a área de telecomunicações. (Aliás, o imposto seria de 25%, mas por uma malandragem matemática sobe para 30%). De certo modo, foi um golpe, pois o ISS, o imposto sobre serviços, sempre pertenceu às prefeituras. Agora os prefeitos querem garantir que solo, sub-solo e solo-acima sejam estritamente municipais. Vingando essa tese, o ciclo estará completo: em cada ligação telefônica, você pagará impostos e taxas para a União, o Estado e a prefeitura. Você mesmo, é claro, pois a companhia apenas repassa: cobra do cliente e deposita na conta do governo. Tudo somado, de cada dez reais de serviço telefônico, mais de quatro serão do governo. É muito, concordam todos. Assim como é demais sete anos sem corrigir a tabela do imposto de renda quando a inflação do período bateu nos 70%. Também parece demais a intenção do governo federal de reviver mais uma vez a CPMF, cuja próxima morte está marcada para julho de 2002. Lembram-se? Ela começou em 0,2% por apenas um aninho. Está em 0,38% e vai para cinco anos. Também incomodou a manobra de governos estaduais, que valorizaram os carros usados de modo a cobrar mais IPVA. E o outro lado da realidade? Tão forte como essa reação aos impostos tem sido a demanda por gasto público. Basta dar uma olhada no que mais tem aparecido na mídia: queremos mais presídios, mais unidades da Febem, mais policiamento, remédios produzidos e distribuídos de graça pelo governo, aposentadorias mais decentes, distribuição de renda mínima, serviços de saúde, o Rodoanel, a limpeza dos rios etc. etc.. Dentro do setor público, não faltam demandas por aumento salarial, em geral encaradas de modo positivo pela sociedade. O que se pode esperar de um policial obrigado a arriscar a vida por 900 reais por mês? Ou de uma professora, que não arrisca a vida, mas que exerce função igualmente essencial para a sociedade? Finalmente, sobram ações que cobram alguma coisa do governo. É o caso da correção do FGTS, uma despesa de mais de R$ 40 bilhões, quase equivalente ao que o governo federal gasta no ano com o pagamento do funcionalismo. Há outras ações em andamento, como a correção das contas de poupança e de aposentadorias. E assim que for corrigida a tabela do IR, surgirão as ações para se cobrar do governo o que ele teria cobrado a mais nestes anos todos. São demandas justas, não é mesmo? Todas elas, tanto aquelas cujo objetivo é não pagar quanto aquelas para receber. Desgraçadamente, porém, a circunstância de serem justas não as torna gratuitas. Eis aí, receber e não pagar é bom, mas a conta não fecha. Pior que isso, entretanto, é pagar e não receber – que é como se sentem os contribuintes. Os impostos subiram muito ao longo dos anos do Plano Real. No começo, de cada 100 reais produzidos no país, pouco mais de 20 iam para o governo. Hoje, mais de 30. E onde estão as obras e serviços públicos? Por que os salários do funcionalismo são baixos? Pode-se resumir assim o senso comum: pagamos impostos demais, não queremos pagar mais e queremos que o governo nos devolva o que cobrou a mais, que faça mais obras e serviços e pague meu melhor seus funcionários e aposentados. Se esquizofrenia é ver a realidade dividida, então não estamos precisando de políticos ou de economistas, mas de psiquiatras e psicanalistas. E de graça, nos ambulatórios do governo. Não vai dar certo, claro. Mas tem algo que pode funcionar. O conflito, alcançando o limite, cria uma situação tão difícil que exige concentração total na busca da solução. No caso, teremos que nos concentrar na qualidade do gasto público. Ou seja, quanto se gasta, onde e qual o resultado? E aí veremos que há funcionários ganhando muito pelo que fazem. E outros fazendo mais do que ganham. Aposentados miseráveis e aposentados ricos. Bons serviços e enorme desperdício. Não é simples. O governante de plantão prefere aumentar imposto a cortar gasto. É mais fácil, pois o imposto atinge massas difusas, enquanto o gasto atende determinada clientela. Ocorre que o momento oferece uma boa oportunidade. Se o pessoal está por aqui com os impostos, é boa hora para chamar a atenção para o lado dos gastos. Seria muito otimista supor que isso pode ocorrer na próxima campanha eleitoral? (Publicado em O Estado de S.Paulo, 09/04/2001)

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