IDÉIA DE JERICO, A ESTATIZAÇÃO DO JOGO

. Jogos Brasileiros SA Quer dizer, então, que a idéia era estatizar o bingo e o jogo do bicho? A urgência da crise levou a essa Medida Provisória que fecha todos os bingos, no que foi, aliás, uma boa resposta do governo Lula. Na pior das hipóteses, funcionou na mídia. A MP dominou os noticiários da noite de sexta e ocupou as manchetes de sábado, tomando o lugar das novas histórias trazidas pelas revistas Época e Veja. Mas como a MP terá de ser votada no Congresso, o assunto inevitavelmente voltará: o que fazer com os bingos, o bicho e os demais jogos? É certo que a idéia da estatização, depois dos recentes estragos, está enfraquecida. Fechar essa zona toda é a proposta mais forte do momento. Ainda assim, é interessante gastar alguns neurônios com esta questão: como é que o governo petista se encaminhou para essa idéia de estatizar o bingo? Não fosse o escândalo Waldomiro Diniz, a proposta chegaria ao Congresso ainda neste ano, já que foi citada expressamente na mensagem que o presidente Lula encaminhou ao Congresso na abertura da sessão legislativa. Diz ali na página 174, no item Financiamento ao Esporte: “A regulamentação da atividade dos bingos vai organizar o setor e assegurar recursos para o esporte social”. Um grupo de trabalho interministerial, no âmbito da Casa Civil, discutia as alternativas de regulamentação e se encaminhava para a estatização. O que seria estatizar? É diferente do sistema de concessões, como funcionam as loterias de números (megasena e outros). A Caixa Econômica Federal é a dona do negócio, mas não das casas lotéricas. Estas são de propriedade de particulares, que têm a concessão para operar, ganhando uma porcentagem das apostas. Funciona, mesmo porque o sistema eletrônico de processamento das apostas parece à prova de fraude. Mas está na cara que muitas casas lotéricas são de propriedade de bicheiros ou associados. É fácil provar isso: ainda na sexta-feira passada, numa lotérica situada em um centro empresarial coisa fina, em São Paulo, se jogava no bicho, às claras, sem qualquer constrangimento. Pode-se, então, perguntar: não haverá fraude nos jogos de números? Se os hackers conseguem entrar no site da Nasa, por que não conseguiriam uma maneira de fraudar as maquininhas da megasena, de modo a se recolher o dinheiro das apostas e não enviá-lo à Caixa? É tentador, pois as chances de uma pessoa ganhar – e da fraude ser apanhada – são mais do que remotas. É difícil, sem dúvida, mas convenhamos: se boa parte do negócio cai na mão de bicheiros, cresce a chance de haver alguma roubalheira. Muitos empresários do jogo e bicheiros faziam loby para montar um sistema de bingos também na forma de concessão e tudo eletrônico. A Caixa, quer dizer, o governo federal, seria o dono do negócio e abriria concessões. Os jogos seriam on line, de tal modo que uma central da Caixa acompanharia cada jogo, em cada casa de bingo, do Oiapoque ao Chuí. A lavagem de lavagem de dinheiro é, para o pessoal da bandidagem, a principal função do jogo. Manipula-se uma rodada, o cara ganha uma fortuna e tem aí um dinheiro limpo, até já descontado o imposto de renda. O bingo on line impediria isso. Só a montagem e operação desse sistema on line já renderia enormes lucros. Já pensaram? Uma rede nacional de bingo on line? Seria uma das grandes licitações do país. Acrescente as concessões das casas de bingo e se teria um baita negócio. Mas nada garante que bicheiros e traficantes seriam impedidos de entrar no negócio. Não faltam laranjas e sempre tem alguém suscetível à corrupção, mesmo nos governos mais bem intencionados, como o governo Lula está aprendendo. Assim, mexe daqui, mexe dali, vem a idéia: por que não estatizar tudo? Simplesmente não tem mais concessão, a Caixa faz tudo. Monta o sistema eletrônico, monta todas as casas de bingo e as opera, sempre com seus funcionários, nada de terceirização. Com o tempo, os demais jogos, incluído o bicho, seriam absorvidos pelo sistema. Ficaria engraçado. Já pensaram, a Caixa abrindo concurso para operador de bingo? Ou para apontador do jogo do bicho? Não esquecer que a Caixa também é um banco, essa instituição que opera com o dinheiro dos outros e por isso precisa gozar de enorme respeitabilidade. Mas não seria problema. No limite, se poderia separar os negócios e criar uma nova estatal, Jogos Brasileiros SA, Jobras, que logo seria a maior empresa pública do país, movimentando diariamente uma enorme quantidade de dinheiro. Teria pelo menos seis diretorias, além da presidência: de bingo, de números, do bicho, de timemania (loteria para dar dinheiro aos clubes de futebol, também prevista na mensagem presidencial ao Congresso), mais as diretorias financeira e administrativa. Naturalmente, seriam necessárias administrações regionais, talvez subsidiárias estaduais, com suas próprias diretorias. Já pensaram quanta gente para nomear pelo país afora? Os políticos do governo disputariam desde a presidência da Jobras até a gerência do bingo municipal Vila Maria de Botucatu. Eis aí, o que é a estatização. Ok, tem alguma caricatura, mas a coisa real não fica longe disso. Não se disputam diretorias e gerências da Caixa? O governo Lula, aliás, está operando isso com a maior tranquilidade, distribuindo cargos para os correligionários e aliados, ocupando a máquina do estado de maneira avassaladora. Ocorre que para o PT, desde as origens, o Estado é a solução universal. Por isso precisa ser ocupado pelos quadros e por isso é preciso centralizar o máximo de poder e controle. Dessa ideologia resulta tanto a ofensiva contra as agências reguladoras quanto a proposta de estatizar os bingos. O pessoal do PT acha que, com o Estado, a coisa funciona melhor e à prova de corrupção, pois eles sabem onde está o bem público. A atual crise política está mostrando que a corrupção e as relações suspeitas estão ali, como sempre. E se existe essa vulnerabilidade à corrupção, o risco é tanto maior quanto maiores foram a presença e o controle do Estado. Em palavras diretas: quanto mais dinheiro e poder na mão do governo, maior o risco de roubo e de ineficiência. O caso da corrupção está bem visível. O da ineficiência aparece um pouco por toda a administração. Mas esse aprendizado é demorado e sai caro para o país. Em tempo: o que fazer com o bingo? No sistema de concessão, há o risco de cair na mão da bandidagem. No estatal, há o risco de corrupção e ineficiência. E então? Publicado em O Estado de S.Paulo, 23/03/2004

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