GOVERNO LULA: AGENDA ATRASA A ECONOMIA

. Agendas atrasadas     
Crises políticas só têm efeito imediato na economia quando se percebe algum risco iminente de mudanças drásticas na linha do governo. No momento atual brasileiro, a situação é ainda mais definida: só haverá abalos ? queda abrupta na bolsa, disparada do dólar e do risco Brasil, essas coisas ? se o mercado desconfiar de alguma ameaça à posição do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Como não se passou nem perto disso ? o presidente Lula disse na semana passada que nem CPIs e nem o crescimento pífio do primeiro trimestre mudam a política econômica ? os mercados se concentraram em seus próprios negócios.     
Mas a crise política que se arrasta há semanas tem, sim, um forte efeito sobre a atividade econômica, ainda que não visível a olho nu. A principal consequência das dificuldades do governo é a paralisia do Congresso ? e lá está uma ampla agenda pró-negócios. Não contém medidas de impacto imediato, mas inclui uma série de projetos que melhoram o ambiente para quem quer investir e fazer negócios no país.     
Explicando: a política econômica de Palocci tem um lado macro, formado pelo tripé equilíbrio das contas públicas (via superávit primário e redução do endividamento), combate à inflação (via regime de metas) e câmbio flutuante. Mas desde o início, o ministro vem salientando a importância da agenda microeconômica, baseada em mudanças legais e institucionais para destravar a atividade empresarial no país.     
As duas agendas dependem de votações no Congresso. E está tudo parado. Os dois primeiros anos do governo Lula foram de intensa atividade legislativa. O Congresso votou duas reformas constitucionais (da Previdência e do Judiciário). Aprovou ainda a Lei de Falências e o novo sistema das Parcerias Público-Privadas, as PPPs. Em todos os casos, a aprovação contou com votos das oposições ? isso tudo exibindo um ambiente político positivo. Não apenas o governo conseguiu articular sua base para essas votações, como houve condições de entendimento especialmente com PSDB e PFL.     
Neste ano, houve, a rigor, apenas uma votação importante nesse ambiente, a aprovação da lei de biossegurança. E aí parou, sendo que tudo o que foi votado anteriormente depende de legislações complementares.     
A reforma do Judiciário, cuja lentidão e incerteza encarecem o custo Brasil, só entrará em vigor, de fato, com a aprovação de novas leis processuais. Idem para a reforma da Previdência. Depende de legislação acessória, inclusive, por exemplo, para colocar em atividade os novos fundos de pensão de servidores públicos, de enorme importância para o mercado financeiro. Lei de Falências e PPPs também dependem de regulamentações.     
E há ainda os projetos que já estão tramitando no Congresso mas não foram votados. Tratam de setores essenciais, como reforma Tributária (especialmente a unificação do ICMS), reorganização das agências reguladoras, concorrência no sistema financeiro e simplificação para os micro-empreedimentos. Sem contar o projeto que concede autonomia operacional ao Banco Central, cuja tramitação foi discretamente iniciada no Senado.     
A agenda não se esgota aí. Há outros projetos que estão em elaboração no âmbito do executivo, estes sofrendo de um duplo atraso. O próprio governo se demora em prepará-los, por uma combinação de ineficiência administrativa com divergências internas. E quando ficam prontos, precisam entrar na fila, já longa.     
Estão nessa categoria: o projeto que cria o cadastro bancário positivo, dando mais segurança à concessão de crédito e, pois, concorrendo para a redução dos juros; a regulamentação das concessões de rodovias; e o marco regulatório do saneamento.     
O caso das rodovias é exemplar. Havia no governo anterior um programa de concessões de rodovias pela modalidade clássica. Tratava-se de uma privatização. Por licitação, a estrada era entregue a uma concessionária que cobrava pedágios em troca de obras e prestação de serviços. As únicas estradas boas do país são essas pedagiadas ou privatizadas.     
Submetido a contestações, o programa foi cancelado pelo atual governo, que prometeu novas soluções (não neoliberais) para o setor. Agora, já no terceiro ano, o governo Lula encaminha sua proposta: a mesmíssima licitação e concessão a empreiteiras privadas. Estão sendo colocadas no programa as mesmas estradas, mas até que se façam as licitações e se iniciem as obras, lá se vão outros tantos meses. Serão três anos perdidos, num setor essencial da infraestrutura.      
Toda essa agenda é interpartidária. Certamente tem amplo apoio no PSDB e no PFL, o que compensa, com ganhos, as resistências na esquerda da base governista. Por isso mesmo, a votação depende de um ambiente político tranqüilo nas duas pontas, a interna e a externa. . Primeiro, o governo precisa ter sua base organizada e funcionando para encaminhar a pauta. E depois precisa manter relações minimamente amistosas com a oposição para compor os acordos. Nem é preciso dizer como a situação real está longe disso.     
É verdade, por outro lado, que o Executivo tem ampla margem de ação independente do Congresso. Pode fazer muita coisa via medidas provisórias, por exemplo. E muitas ações dependem apenas do funcionamento dos ministérios. Melhor dizendo, do eficiente funcionamento, o que faz a diferença.     
Alguns funcionam, como o da Fazenda. É dali aliás que deve sair em breve a Medida Provisória do Bem, uma série de reduções de impostos para setores importantes, especialmente o exportador. Mas até aqui o Ministério das Cidades, para citar só um exemplo, não conseguiu colocar de pé o marco regulatório do setor de saneamento ? outro ponto essencial para a infraestrutura.     
Eis aí como a ineficiência administrativa e a crise política, também resultante da má gestão do governo, afetam a economia. As condições de crescimento são hoje menores do que poderiam ser. E até aqui pelo menos, não há sinais de que se possa superar essa paralisia. Publicado em O Estado de S.Paulo, 06/06/2005

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