Não foram todos os governadores estaduais, claro, mas muitos deles tentaram empurrar a conta para o governo federal. Pensaram mais ou menos assim: o presidente Temer precisa de apoio para se segurar no cargo; nós, governadores, temos força junto às bancadas de deputados e senadores; logo, por que não trocar apoio por dinheiro?
Dinheiro, sobretudo, para colocar em dia os vencimentos do funcionalismo, ativos e inativos. E também para aliviar as dívidas.
Em algum momento, pareceu que iam conseguir. Há coisa de dois meses, o Congresso aprovou um pacote de renegociação de dívidas bastante favorável aos governos estaduais, na linha de um acordo que estava em andamento no governo Dilma. Na ocasião, o ministro Henrique Meirelles tentou enfiar no pacote alguns compromissos dos Estados com o ajuste de longo prazo, como a proibição de aumentos salariais nos próximos anos.
Nas conversas, os governadores até toparam. Mas não fizeram nada na hora da votação, não se empenharam com as “suas” bancadas. E os compromissos acabaram sendo descartados por Meirelles e presidente Temer, porque iam perder no voto.
Até aí, muitos governadores achavam que: 1. Brasília arranjaria dinheiro para a maior parte do ajuste (o Rio não conseguira quase R$ 3 bilhões?); 2. o governo federal seria, perante os servidores e a população, o “culpado” pelas amargas medidas de ajuste.
Enquanto rolava essa história, o governo federal também aceitava alguns reajustes salariais para categorias já bem remuneradas e, sobretudo, o presidente Temer se via na obrigação de defender ministros e auxiliares de algum modo envolvidos nas investigações da Lava Jato e nas ações paralelas, que hoje se espalham por Varas da Justiça Federal.
O clima piorou – e isso apareceu nos indicadores de confiança. Como é que o governo conseguiria fazer o ajuste nas contas nacionais se não conseguia aplicá-lo para os Estados e ainda se desgastava defendendo políticos em atitudes, digamos, duvidosas?
Pelo menos que no que se refere à relação com os Estados, a situação mudou neste semana. O pacto firmado pelo governo federal e pelos estaduais tem um princípio básico: os Estados terão apoio se e quando se empenharem efetivamente em um ajuste estrutural de suas contas.
O pacto está no plano das intenções, precisa ser formalizado e aprovado em assembleias legislativas e no Congresso, o que não é simples, mas as linhas do ajuste foram especificadas: redução do gasto com pessoal e renegociação de dívida condicionada à apresentação de garantias reais. Ou seja, os governos estaduais terão que entregar ativos, estatais, por exemplo, em troca de dinheiro novo.
E assim voltamos ao final dos anos 90, quando o governo FHC liderou uma ampla renegociação de dívidas dos Estados, vinculada a um rigoroso programa de ajuste fiscal. Os então ministros Pedro Malan e Pedro Parente trabalharam pacientemente nesse pacto, hoje apresentado no mundo econômico como um modelo de ajuste fiscal dos entes federados.
Isso colocou os Estados na linha por muitos anos. Eram obrigados fazer superávit primário porque tinham de pagar prestações mensais ao governo federal. Se não pagassem, não receberiam sua parte nos impostos federais.
O afrouxamento começou nos governos de Lula (no segundo mandato) e de Dilma. Neste último, o então ministro Mantega foi pródigo em abrir cofres para os Estados, assim como torrou o dinheiro federal, driblando regras para permitir novos endividamentos.
Aconteceu o mesmo em todo o setor público: a despesa cresceu acima da inflação e acima da expansão das receitas. Claro que há Estados razoavelmente ajustados, mas todos precisam voltar a práticas mais rigorosas de controle das contas públicas, depois do “liberou geral” da era Dilma.
Tem aqui um lado positivo e outro negativo. O positivo é que dá para fazer. Sabemos disso porque já foi feito uma vez.
O lado negativo está aí mesmo: as finanças públicas estavam ajustadas, depois de anos de esforço, e se jogou tudo fora.
Hoje, como antes, a necessidade conta mais que virtude. Não é que políticos dedicados a ampliar gastos de repente tenham se convertido à austeridade. Simplesmente acabou o dinheiro. E não dá para colocar a culpa em Brasília, no FMI ou nas elites.
Temer e Meirelles ganharam pontos nesta semana. Mas isso está apenas começando. Há uma complicada engenharia financeira pela frente, mas é disso que depende a recuperação da economia brasileira.
E, claro, de como o presidente Temer vai lidar com uma situação provável, a de seus auxiliares sendo apanhados na Lava Jato.
Por ora, pode-se perdoar o presidente Temer por tolerar Renan e outros. Ele precisa disso para votar a PEC do teto dos gastos antes do recesso parlamentar. Pode-se dizer: Renan tem vida útil de apenas mais um mês na presidência do Senado. Se ajudar na votação…
Mas a tolerância com Temer, de parte da sociedade, também é provisória.