. Um caso brasileiro
A Infraero, estatal vinculada ao Ministério da Aeronáutica e que administra os aeroportos brasileiros, calcula que precisa investir pelo menos R$ 7 bilhões até 2010. Seria o mínimo necessário para reformar e ampliar aeroportos, de modo a atender o crescimento do setor. Essa expansão, de fato, é muito forte. No ano passado, para atender a crescente demanda de passageiros, as companhias aéreas brasileiras aumentaram a oferta de assentos em 30%, e isso durante a agonia da Varig. Neste ano, até outubro, a oferta está crescendo mais 8%, mesmo com as recentes confusões. Com o pico do final do ano, esperava-se que o setor crescesse mais uns 13% neste ano
As empresas privadas fizeram sua parte. Com a demanda crescendo, as companhias compraram jatos, multiplicaram rotas. As duas grandes, Tam e Gol, tiveram a maior expansão, mas diversas empresas pequenas e regionais também entraram no mercado.
O problema está na parte do governo, a oferta de aeroportos e o controle do tráfego. A Infraero investiu nos últimos anos ? e ainda assim está devendo. Basta passar pelo aeroporto de Congonhas, o de maior movimento. Recentemente ampliado, já está apertado. Ou seja, é preciso investir ainda mais, mesmo porque só Tam e Gol planejam incorporar às suas frotas mais 58 aviões, nos próximos três anos. São jatos maiores, para mais passageiros, a pistas mais seguras e mais espaço e serviços nos aeroportos.
É para isso que a Infraero precisa de R$ 7 bilhões de investimentos. Desse volume, a estatal deve obter, com recursos próprios e financiamento, cerca de R$ 2,8 bilhões. A empresa tem uma bela receita – as taxas, muito caras, pagas por passageiros e empresas, além de aluguéis e concessões no comércio dos aeroportos.
Ainda assim, faltarão R$ 4,2 bilhões. A estatal espera um aporte do governo federal. Vai ficar esperando.
Parece pouco dinheiro, afinal seria apenas pouco mais de um bilhão por ano, uma mixaria diante dos mais de R$ 400 bilhões que o governo federal vai gastar neste ano com custeio da máquina, pessoal, previdência e investimentos.
Eis, porém, algumas comparações. Os salários do funcionalismo federal devem chegar neste ano a R$ 100 bilhões. Para 2007, é razoável supor que o pessoal receberá no mínimo a reposição da inflação, estimada em 4,2%. Ou seja, mais R$ 4,2 bilhões. Mas ainda na última terça-feira, quando preparava o pacote de cortes de gastos, o ministro Guido Mantega dizia que continuava achando possível dar novos aumentos reais ao funcionalismo.
Quanto ao salário mínimo, o presidente Lula também prometeu mais aumento real. Mas considere-se apenas a reposição da inflação, o que representaria um aumento nominal de 15 reais. Multiplicando por 16 milhões de pensionistas e por 13 pagamentos, o custo da Previdência sobe mais de R$ 3 bilhões.
Finalmente, o governo federal está gastando menos de R$ 20 bilhões em investimentos diretos naqueles setores que não contam com o suporte de uma estatal rentável ? ao contrário do que ocorre com os aeroportos da Infraero.
Resumindo, o governo federal não terá os R$ 4,2 bilhões para dar à Infraero.
Olhando a coisa sem preconceitos, não está evidente que este é mais um caso de privatização? Qual o problema de entregar a construção e/ou a administração de aeroportos a companhias privadas, nacionais ou estrangeiras?
O Brasil tem empreiteiras que fazem obras pelo mundo afora, inclusive construindo aeroportos. Se essas empreiteiras se unissem a grandes companhias estrangeiras, com experiência na operação de aeroportos, isso traria capitais e tecnologia para um setor estratégico.
O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, disse que a empresa está estudando a fórmula das Parcerias Público Privadas (PPPs). Mas o governo Lula está estudando as PPPs há quatro anos e não conseguiu emplacar uma sequer. Assim como não conseguiu fazer nenhuma concessão de rodovias, muito menos de aeroportos.
Eis, portanto, uma ilustração perfeita do caso brasileiro hoje. Considerado o tamanho da economia, os R$ 7 bilhões para os aeroportos são pouco mais que mixaria. Mas o governo não tem porque gasta demais em Previdência, pessoal e custeio da máquina. Já para o setor privado, seria a maior moleza arrumar os R$ 7 bilhões. Mas não há condições políticas nem jurídicas nem econômicas para deslanchar esses investimentos. Assim, tome fila, tome congestionamento no saguão. E ainda tem de aguentar o ministro da Defesa, Waldir Pires, responsável por todo o setor, dizer que não está acontecendo nada. Nada mesmo. Publicado em O Globo, 16 de novrmbro de 2006