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Falsa impressão

Falsa impressão

 

Carlos Alberto Sardenberg

 

À primeira vista, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, matou a charada. Conforme registramos aqui na semana passada, Paes acreditava que não ia acontecer nada no 7 de setembro. Muito barulho de um bando de irresponsáveis e ignorantes, e só.

É verdade que não foi propriamente só barulho. Os caminhoneiros bolsonaristas interromperam estradas, provocaram algum desabastecimento, acharam que o golpe estava em curso, mas recuaram, entre perplexos e atônitos, depois da carta à nação escrita por Temer e assinada por Bolsonaro.

De todo modo, voltaram para casa. E os bolsonaristas se dividiram entre os que dizem “confiem no capitão” e os que se decepcionaram. Afinal, na quinta-feira, o chefe deles arregou duas vezes. Primeiro, na reunião dos Brics, elogiou a China por seus esforços na confecção da vacina. Depois, divulgou a carta em que pede desculpas ao STF e, em particular, ao ministro Alexandre de Moraes – chamado de canalha apenas 48 horas antes.

O primeiro grupo acredita que Bolsonaro está fazendo uma grande jogada estratégica. O segundo ameaça desistir do bolsonarismo. Mas o fato é que nenhum deles tem capacidade de ação sem o comando de Bolsonaro e sem o uso da máquina governamental, travada por decisões do próprio Alexandre de Moraes.

Acrescente-se ao quadro a manifestação de apoio à tolerância e harmonia entre poderes, feita por diversas lideranças políticas, econômicas e sociais – e pode parecer que tudo se acalmou. Bolsonaro amansado e as pautas políticas e econômicas retomadas.

Falsa impressão.

Na quinta-feira mesmo, na live, o presidente Bolsonaro já começou a voltar a ele mesmo. Atacou de novo as urnas eletrônicas e atacou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luis Roberto Barroso, como um cafajeste da mais baixa espécie. “As urnas são penetráveis, viu Barroso”, repetiu Bolsonaro, com uma expressão nervosa.

Falta pouco, muito pouco, para ele tentar de novo as manobras golpistas.

Nesse ponto, pode-se dizer que o prefeito Eduardo Paes não está tão certo assim. Sim, não aconteceu nada, mas Bolsonaro tentou o golpe – e isso é a única coisa que ele tem para fazer.

Sem governar, sem ter a menor noção das dificuldades econômicas que se agravam a cada dia, ele não tem outra pauta senão atacar o STF e o STE.

É de uma estupidez monumental. Então fechar as cortes superiores vai derrubar o preço da gasolina ou fazer chover sobre os reservatórios das hidrelétricas?

Na verdade, não existe um Bolsonaro não golpista. Não dando certo o golpe, tudo que lhe resta é tentar emparedar as instituições, atrasar o andamento dos inquéritos contra ele, seus filhos e aliados e adiar o impeachment.

Assim, ele cai num impasse. Se radicalizar de novo, se voltar ao golpismo, acelera o impeachment e as ações que correm contra ele e sua turma. Se assumir o figurino Bolsonaro/Temer, perde sua base de raiz e se torna um marionete nas mãos do Centrão.

Isso até abril do ano que vem, quando o Centrão, vendo o desgaste de Bolsonaro, desembarcará do governo para se acomodar com as forças dominantes para as eleições de outubro, Lula incluído.

Na política, portanto, ficamos assim: Bolsonaro se enfraquecendo, voltando para o grupinho radical e medíocre de onde nunca deveria ter saído; a terceira via a cada dia se torna a segunda via, sendo Lula a primeira.

O movimento nos próximos meses será nessa direção: Lula tentando se consolidar na esquerda e tomar uns nacos do Centrão, enquanto o grupo que reúne conservadores e liberais busca um nome viável para enfrentar o petista. Na conta, o entendimento de que Bolsonaro derrete e se chegar às eleições, chega nanico.

Enquanto isso, a economia afunda: inflação muito elevada, derrubando a renda real das famílias; juros em alta, encarecendo crédito para consumo e investimento; desemprego persistentemente elevado; dólar caro; grupos políticos avançando no orçamento.

Deu ruim. Vai ter que consertar tudo de novo.