ESQUERDAS E GLOBALIZAÇÃO

. Pobre Uruguai      
O presidente Hugo Chavez coloca a Venezuela no Mercosul e faz disso mais um gesto contra o imperialismo ianque. Já no Uruguai, que é membro fundador do Mercosul, com Brasil, Argentina e Paraguai, o governo do presidente Tabare Vazquez, o Lula deles, se meteu num bate-boca em direção contrária: não valeria a pena firmar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, como já fez o Chile e estão fazendo o Peru e a Colômbia?     
Sim, vale a pena, disse o ministro uruguaio da Economia,  Daniel Astori, o Palocci deles.     
Não, o correto é fortalecer o Mercosul na direção de um bloco sul-americano independente, responde o chanceler uruguaio, Reinaldo Gargano, parecido com o assessor internacional de Lula, Marco Aurélio Garcia.     
 Eis aí, governos parecidos, os debates que se travam lá são uma repetição do que já ocorreu por aqui. E se os resultados se repetirem, então o ministro Astori vai perder.     
O tema de um tratado comercial com os EUA, especificamente, não apareceu por aqui. Mas o ministro Palocci e sua turma se puseram a favor de uma ampliação do livre comércio em geral, considerando que isso favoreceria o crescimento econômico no Brasil. Daí a proposta de uma atitude mais positiva, pró-abertura comercial, nos três principais fóruns de negociação, no âmbito da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), com a União Européia e na Organização Mundial do Comércio. Neste último, por exemplo, a idéia da Fazenda seria o Brasil apresentar uma proposta de forte redução das tarifas de importação. Para a Alca, demonizada pela esquerda, se fazia a pergunta singela que se faz hoje no Uruguai: se um  país quer  exportar, não parece óbvio que deve buscar com prioridade o acesso ao maior mercado consumidor do mundo, o dos EUA?     
 Não pegou. Prevaleceu a linha que tanta agrada a Lula ? a de fazer da diplomacia o lado esquerdo de seu governo. Em vez de colocar prioridade na busca de todos os mercados, a idéia é juntar os pobres para poder encarar os ricos olho no olho, como gosta de dizer Lula.     
No Uruguai, foi nessa linha a reação da esquerda à proposta de se negociar com os EUA.     
O problema é que a situação do Uruguai é muito diferente da brasileira. A população não chega a 3,5 milhões, com Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 17 bilhões, indústria limitada, economia baseada mais na agricultura de exportação (carne, lã, arroz, por exemplo), com vendas externas totais em torno de US$ 3,5 bilhões. Tem mais ou menos o tamanho da região metropolitana de Porto Alegre.     
Atrelado ao Mercosul, o Uruguai funciona como um reflexo do que acontece no Brasil e na Argentina. O país simplesmente afundou com as crises brasileira (1999) e argentina (2001).     
Nas exportações, o principal cliente individual são os Estados Unidos, destino de quase 18% das vendas externas. Depois vêm Brasil (16%) e Argentina (6%), de modo que o Mercosul acaba sendo o maior mercado. Nas importações, o Uruguai depende mais do Mercosul. De suas compras externas, pouco mais de 50% vêm do bloco (Brasil e Argentina com 19% cada, Paraguai com 13%), e apenas 9% dos EUA.     
Ou seja, o Uruguai é superavitário com os EUA e deficitário com o Mercosul. A pergunta que a área econômica do governo Tabare Vazquez se faz é a mesma que se encontra em outros países pequenos: não é mais racional ampliar os mercados externos? Se o Mercosul acaba se tornando uma barreira a essa ampliação ? pois toda negociação comercial tem que passar pelo bloco e quem manda no bloco é, primeiro, o Brasil e, depois, a Argentina ? de que diabos serve o Mercosul?     
Além disso, o pessoal olha para o exemplo do Chile (população de 16 milhões, PIB de US$ 100 bilhões), que não se julgou obrigado a escolher: é membro associado do Mercosul, tem acordo de livre comércio com EUA, Europa, China, México e alguns outros. O crescimento chileno demonstra a superioridade dessa opção.     
Por que os uruguaios não se rendem a essa visão? Por razões político-ideológicas e porque, afinal das contas, os Estados Unidos é que não estão muito interessados em acordo. Começa que o mercado americano que mais interessa aos uruguaios (carne, lã, arroz) é protegido e subsidiado. O governo Bush não parece disposto a comprar uma briga com o loby do agronegócio por causa do Uruguai. Além disso, se faz um negócio direto com um membro menor do Mercosul, o governo Bush ganha pouco em troca de um baita atrito com o governo brasileiro – e eles já têm problemas de sobra na América Latina para procurar encrenca com o moderado Lula.     
Tudo considerado, pobre Uruguai.     
É verdade que o chanceler brasileiro, Celso Amorim, apressou-se a dizer que o Uruguai tem razão de reclamar, que o Mercosul de fato anda um pouco esquecido dos sócios menores. Em Montevidéu, nestes dias, argumentou-se que Brasil e Argentina não se comportaram como Alemanha,  França e Inglaterra, que ajudaram os menores na formação da União Européia. O governo brasileiro prometeu ajudar.     
Mas tem um problema, claro. Os ricos do Mercosul não dispõem do dinheiro que os ricos da Europa tinham para gastar com os seus pobres.     
Talvez por isso tudo o presidente Tabare Vazquez tenha imposto à sua ala esquerda a aprovação do tratado de proteção aos investimentos externos que havia assinado com o presidente George Bush ? tratado esse também visto com restrições em Brasília e Buenos Aires.     
Não é simples escapar das limitações da ideologia e do tamanho. Publicado em O Estado de S.Paulo, 23/janeiro/2006

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