ELEIÇÕES E POLÍTICAS ECONÔMICAS

. Nova eleição, velho dilema      
Fernando Henrique Cardoso relata no seu novo livro, A Arte da Política, os intermináveis debates sobre juros e cotação do dólar que atravessaram seus dois governos.  FHC enfrentou quatro difíceis crises externas, teve de mudar o regime cambial três vezes e, ao final, nem havia conseguido uma boa combinação juros-dólar, nem seus colaboradores economistas haviam alcançado consenso nesse tema.     
Lula manteve as bases da política econômica, o que conduziu a outra combinação insatisfatória. No último ano de FHC, tivemos juros altos e dólar muito caro, consequência imediata da crise de confiança que se instalou por ocasião da vitória de Lula. Esse dólar caro ? ou o real bem desvalorizado ? certamente apoiou as exportações, que decolaram e trouxeram para o país navios de moeda americana. Foi então que o regime de câmbio flutuante,  deixado por FHC e mantido por Lula, inverteu a relação entre as moedas: desvalorizou o dólar e valorizou o real.     
Resultado: o país está hoje como estava no primeiro mandato de FHC, com juros altos e dólar baixo. E os economistas de algum modo ligados ao PSDB mantêm as mesmas divergências. Aliás, os economistas em geral mantêm suas divergências sobre esse mau equilíbrio.     
Que proposta apresentará o candidato tucano, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin? Há pistas na entrevista que concedeu à revista Época desta semana. A principal delas está na ênfase que o governador coloca no ajuste das contas públicas ? o ajuste fiscal. Resumindo, Alckmin afirma que o setor público no Brasil gasta demais, gasta mal (quase tudo em custeio, quase nada em investimentos) e  sangra a sociedade, as pessoas e as empresas, com impostos exagerados.     
Portanto, não se trata apenas de cortar gastos, mas de promover uma reforma geral, o que inclui desde mudanças na Previdência e no sistema tributário, até a modificação de métodos de gestão.     
É interessante que essa proposta une os economistas tucanos. E é velha. No primeiro ano do governo FHC, a ala Pedro Malan era a que mais insistia na tese segundo a qual a questão fiscal era o nó a ser desatado. Representantes das outras alas (Luiz Carlos Mendonça de Barros, por exemplo) consideravam mais urgente outras providências, como mudanças imediatas na política cambial. Com o tempo ? e dada a enorme dificuldade para resolver a questão juros/câmbio ? houve uma convergência em torno da necessidade de reformar o gasto público (e, pois, a receita).     
De todo modo, Alckmin embarcou nessa canoa. Disse à Época, com todas as letras, que um ajuste fiscal poderoso leva à queda de juros e, pois, à revalorização do dólar (ou desvalorização do real, hoje certamente valendo mais do que merece). E que esse é o caminho principal para a retomada do crescimento vigoroso e duradouro.     
Mas se essa tese unifica as tendências tucanas e, provavelmente, boa parte do PFL, não decorre daí que seja eleitoralmente atraente, muito menos facilmente aplicável. O governador paulista sabe disso e já toma cuidados de campanha. Época pergunta se ele apóia a desvinculação do salário mínimo do piso da Previdência, idéia básica de qualquer ajuste fiscal sério. Alckmin escapa do sim ou não. Diz que a Previdência pública deve ser ?básica?, limitada, de modo que quem quiser aposentadorias melhores terá que complementar por sua própria conta. É por aí, quem é do ramo entende, mas o candidato trata de não colocar sua mão nessa cumbuca do mínimo, cujo aumento é bandeira de Lula.     
Mais difícil do que falar disso na campanha será aplicar a política em caso de vitória. Desagraçadamente, porém, é o único caminho absolutamente necessário. Qualquer que seja a combinação juros/câmbio, o setor público continua atrapalhando o crescimento do Brasil pelos dois lados ? da arrecadação, muito alta, complexa e custosa, e dos gastos, elevados porém ineficientes.     
Se Alckmin avançar mesmo por essa linha, haverá então uma clara sepraração em relação a Lula. Este, ao contrário, deposita sua fé no aumento do gasto público e, mais, no controle do governo sobre a atividade econômica. Na campanha, vai alardear gastos, do salário mínimo à instalação de universidade. Alckmin confia no encolhimento do setor público e na abertura de espaço à iniciativa privada, um choque de capitalismo.     
Quanto a Lula, já se sabe como vende. Já Alckmin vai precisar de uma boa embalagem.  Publicado em O Globo, 23/março/2006

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