ELEIÇÕES E AMBIENTE ECONÔMICO

. Fragilidades fiscais Essa coisa de confisco de poupança ou de calote nos títulos da dívida pública não pode estar nas preocupações de qualquer pessoa séria e/ou minimamente informada. A única possibilidade se aplicar essa surpresa seria por meio de Medida Provisória. Mas diz a Constituição, parágrafo 1o. do artigo 62, que é vedada a emissão de MP “que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”. Portanto, qualquer confisco terá de ser enviado ao Congresso, na forma de projeto de lei ou emenda constitucional, o que exigirá longa negociação e, sobretudo, dará tempo para que os interessados recorram aos tribunais. Ou seja, não sai, mesmo que o Brasil eleja a pessoa mais despreparada para o cargo de presidente de República. Nem o Congresso aprovaria tais medidas, nem a Justiça as aceitaria. Portanto, quando os investidores e poupadores, nacionais e internacionais, manifestam preocupação com a segurança de seus títulos não estão achando que um presidente vai roubá-los no dia seguinte à posse. O que temem é um governo que comece a desmontar o arcabouço de ajuste das contas públicas pacientemente construído nos últimos anos. Não foi pouca coisa. Há três anos o setor público cumpre suas metas, que estão no acordo com o FMI, mas sobretudo em peças aprovadas pelo Congresso, como as leis referentes ao orçamento. Todos os governos estaduais e as maiores prefeituras têm contratos com o governo federal, pelos quais se obrigam a pagar prestações mensais referentes a suas dívidas. E, mais importante, esses contratos foram considerados legais pela Justiça. Não há mais bancos estaduais gastando por conta. Os poucos que sobram ou estão em processo de privatização ou de ajuste. E as rigorosas normas bancárias em vigor, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), impedem novas aventuras com esses bancos. E a própria LRF estabelece regras austeras para o exercício da administração pública, com limites de gastos e endividamento para os três níveis de governo. Finalmente, existe o regime de metas de inflação, pelo qual o Conselho Monetário Nacional fixa as metas e delega ao Banco Central a função de executar a política monetária de modo a cumpri-la. É essa estrutura legal e contratual que serve de base ao argumento segundo o qual nenhum presidente, mesmo querendo, poderá cair na irresponsabilidade fiscal. Mas olhando bem a situação, verifica-se que esse argumento é verdadeiro, digamos, para o curto prazo. Nenhum presidente, nenhum novo governo federal poderá desmontar esse arcabouço de um dia para outro. Mas poderá começar uma operação de desmonte cuja chance de êxito dependerá de um ambiente de lassidão ou de fadiga fiscal. Não é difícil surgir esse ambiente. As demandas políticas são sempre por mais gastos e, convenhamos, à exceção de alguns casos evidentes, como obras suntuosas ou salários e aposentadorias elevadas, o gasto público é útil e justo. Há minorias muito bem pagas, mas há maiorias ganhando mal. O mínimo do INSS é baixo. Há obras importantes por fazer e por aí vai. Ou seja, manter as contas públicas em ordem exige uma disciplina de ferro, uma disposição permanente do presidente da República e seu ministro da Fazenda e a paciência de ser alvo de ataques constantes, inclusive dos aliados. Tome-se o episódio recente da CPMF. Vejam como aparecem as fragilidades. O PFL, que de fato sustentou no Congresso as medidas que garantem o ajuste fiscal, não teve o menor escrúpulo em abrir um rombo nas contas federais ao atrasar a votação na CPMF. E tudo para torrar a paciência do presidente FHC e arranjar algum modo de atrapalhar o candidato José Serra. Aliás, no episódio, o governo FHC mostrou mais uma vez sua capacidade de antecipar problemas e promover ajustes rápidos, ainda que dolorosos e politicamente complicados. Cortou gastos e anunciou aumentos de impostos para compensar o atraso da CPMF, mesmo estando em ano eleitoral, com o candidato do governo sob pressão. Na verdade, dados divulgados na final da semana passada mostraram que o governo continua fazendo superávit primário com folga. Eis aí uma coisa que pode ser estragada. No final deste ano termina o acordo com o FMI, de modo que as metas fiscais estarão fixadas apenas nas leis orçamentárias. Pode-se mudá-las. E até mesmo por incompetência, o governo pode relaxar nas contas e, quando se chega ao fim do ano, lá está o buraco. Ou por falta de disciplina e vontade política. Nos seus oito anos de governo, todo santo ano FHC, seus ministros e seus líderes no Congresso foram acusados de insensíveis – ou coisa pior – por limitarem os reajustes do salário mínimo. (“Dão juros altos para os banqueiros e matam de fome os velhinhos”). Todo santo ano toparam com manifestações de funcionários públicos – com seus apoios no Congresso – reclamando reajustes salariais. Esse é o ponto. Disciplina fiscal se faz com um arcabouço legal, mas também com a administração do dia a dia. Esse o grande teste para os presidenciáveis, sobretudo os que sempre estiveram na oposição – aquela mesma que reclamava mínimo de 800 reais – e que, ganhando, chegariam ao governo com as enormes demandas de seus aliados, demandas por mais gasto público. Outro ponto é o regime de metas de inflação, que foi instituído por decreto do presidente. E que, portanto, pode ser alterado por outra canetada. Em resumo, há fragilidades fiscais. Há um cenário de deterioração, que só será se e quando os candidatos mais competitivos derem demonstração de adesão total à estabilidade fiscal e monetária. Dizer coisas do tipo – sim ao combate à inflação, mas sem comprometer o crescimento, sim ao ajuste fiscal, mas sem comprometer os gastos sociais ou as justas demandas dos funcionários e aposentados – é o caminho da instabilidade. Nessas coisas, infelizmente, não pode haver ressalvas. Tem que ser ao contrário, inflação no chão e contas públicas equilibradas, custe o que custar. Todos os países que cresceram de modo sustentado fizeram assim. Publicado em O Estado de S.Paulo, 27/05/2002

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