—Empresas brasileiras se mudando para China e Índia, até se entende. Mas para o Paraguai?—
Deu no Jornal da Globo: empresas brasileiras estão transferindo fábricas para o Paraguai. Já sabíamos de companhias nacionais que estavam levando suas plantas para China e Índia, que fatos que chamavam a atenção mas pareciam, digamos, mais aceitáveis.
Esses dois países são os emergentes que mais crescem. A China é a fábrica do mundo, a principal importadora do Brasil, de modo que estar lá é até normal. A Índia tem setores tecnológicos bem desenvolvidos. Ambas integram o Bric, grupo de nações que podem vir a ser a ricas. Em resumo, ir para lá pode ser uma internacionalização necessária.
Mas Paraguai?
Pois é. E acontece que muitas empresas brasileiras vão para lá pelos mesmos motivos que procuram China, Índia ou países da América Central. O custo de produção é muito maior por aqui.
Alguns argumentam: pagam-se salários muito baixos nesses países e não é isso que queremos para nossos trabalhadores. Mas não é essa a questão principal. O problema está no custo de contratar.
Com a ajuda do professor Hélio Zylberstajn, da USP, preparamos uma conta que mostra o seguinte: em um salário de R$ 2.000,00, pago na indústria para um trabalhador solteiro, o governo arrecada nada menos que R$ 837,00, por conta do Imposto de Renda, INSS (pago pela empresa e pelo empregado) e do Sistema S.
A partir desse salário na carteira assinada, a empresa paga R$ 2.596,00 e o trabalhador leva para casa R$ 1.759,00. A cunha fiscal é de 32,3%, diferença entre o que a empresa paga e o empregado recebe, considerando apenas os impostos sobre a renda e para a seguridade social, que existem no mundo todo.
Assim, comparando, essa carga fiscal é maior do que na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Coréia e…. no Paraguai.
O governo sabe disso. Tanto que o ministro Guido Mantega, quando assumiu, em 2006, foi logo dizendo que sua prioridade era reduzir a carga sobre a folha salarial. Cinco anos depois, a presidente Dilma coloca de novo como prioridade, assim como a simplificação da legislação do ICMS, imposto estadual, com 27 códigos diferentes.
Por que demora? Por que não anda? Porque o governo precisa do dinheiro para pagar suas despesas crescentes. De 2006 para cá, a carga fiscal aumentou, o custo Brasil piorou.
Dá nessa distorção brasileira. Como me dizia, semana passada, um executivo francês que trabalha por aqui: o Brasil tem tudo para produzir energia ? rios, quedas d?água, ventos, petróleo, biocombustíveis e até minério de urânio. E tem também a energia mais cara do mundo. Como pode? E ainda: é mais caro falar de Santos para S. Paulo do que de Paris para S. Paulo. Como pode?
Pode porque cerca de 45% da conta de energia e de telecomunicações é formada por impostos e taxas variadas. . de um executivo francês que trabalha na Brasil e tem família em Santos: pelo telefone fixo, é mais caro falar de Santos para S. Paulo do que de Paris para S. Paulo. Como pode?
Tem mais. Além da carga ser pesada, para pessoas jurídicas em especial, é difícil pagar impostos corretamente. Isso mesmo. Considerem o IPI, Imposto sobre Produtos Indistrializados, que é a versão federal do ICMS. A empresa recolhe o valor e precisa comunicar à Receita federal. Normal. Mas precisaria comunicar quatro vezes, de formas diferentes? É o que acontece: eletronicamente, no papel (a notinha fiscal), na declaração de tributos federais, que é mensal, e na declaração de IR, anual.
E vai que a empresa tem o azar de comunicar que recolheu R$ 2.350 no eletrônico e R$ 2.349,20 no papel. Vai gastar tempo e dinheiro para ?sanar? o equívoco.
Conforme a pesquisa do Banco Mundial, Fazendo Negócios, as empresas brasileiras gastam cerca de 2.600 horas/funcionário/ano para manter em dia as relações com os fiscos federal, estaduais e municipais. A média mundial é de 284 horas. Só de ICMS, são dez novas legislações por dia.
Acrescente aí os custos para abrir empresas, obter licenças ambientais e autorizações de funcionamento, resolver pendência comercial na justiça, exportar e importar, transportar mercadorias ? e o Brasil acaba formando um dos piores ambientes de negócios entre os países mais importantes.
E sabem o pior? Parece que o país está se conformando com isso. Parece que é normal precisar mais de advogados, contadores e despachantes do que de engenheiros. Parece que é normal a economia crescer 5% e a arrecadação de tributos mais de 10%.
Assim como parece normal transferir a fábrica para o Paraguai.
Publicado em O Globo, 23 de junho de 2011