ECONOMIA E RAZÕES DA VIOLÊNCIA

. Violência normal      
Está claro que um povo educado, bem empregado e/ou proprietário de  meios de produção adequados estará menos propenso ao crime. Dito de outro modo, há uma relação entre a situação econômica (nível de renda, desigualdade e emprego) e a atividade criminosa. Mas não é a principal ou determinante.     
Isso quer dizer que não é possível estabelecer relações do tipo: uma redução de dez pontos na pobreza leva a uma redução de tantos pontos no índice de criminalidade. Ou, uma queda no Índice de Gini, mostrando menos desigualdade, traz de imediato uma redução nos crimes contra a propriedade. Ou ainda, um aumento de tantos anos no nível de escolaridade representa uma queda proporcional nos índices de violência gratuita, como um assassinato em uma mesa de bar.     
Não há pesquisas que sustentem essas relações. Basta olhar pelo mundo afora para se verificar que sociedades com o mesmo nível de renda e desenvolvimento econômico apresentam os mais diferentes índices e tipos de criminalidade.     
Mas estudos empíricos feitos nos Estados Unidos indicam, sim, de modo muito forte que um quarto da queda da criminalidade decorreu do aumento do policiamento, isso entendido como mais homens nas ruas e mais eficiência na apuração dos crimes e captura dos responsáveis. As mesmas pesquisas indicaram ainda uma relação direta entre o número de criminosos presos e o número de crimes. Quanto mais os detidos, por mais tempo, menos crimes.     
E se isso for verdade, a sociedade brasileira está mal na parada. Primeiro, porque ainda não se convenceu plenamente de que chamar a polícia e trancafiar bandidos é legítima defesa dos direitos individuais. Segundo, porque entre os que se convenceram, muitos entendem que chamar a polícia é comprar viaturas e mandar policiais caçar suspeitos nas favelas e bairros pobres. Terceiro, porque o aparelho policial, judiciário e penitenciário fica entre a excessiva tolerância (essa que considera normal colocar na rua um garoto de 18 anos com vários assassinatos nas costas cometidos quando era menor), a ineficiência e a corrupção (que permite a organização do crime dentro dos presídios) e a violência contra os mais fracos.     
O resultado disso tudo é a disseminação da violência. A polícia é violenta, sem dúvida, mas toda a sociedade também é assim. Reparem a quantidade de assassinos que estão soltos, mesmo quando réus confessos. O sujeito mata, se entrega, diz que perdera o juízo ou estava drogado e, sobretudo se tem diploma superior, responde em liberdade. Normal.     
 Bem vistas as coisas, a invasão da Câmara dos Deputados é parte dessa mesma história. Assim como se admite que o ciúme justifica um assassinato particular, se entende que uma causa justa legitima a violência contra pessoas, propriedades e instituições públicas. Como disse o bispo dom Tomás Balduíno, reivindicar com ?educação burguesa? não leva a nada.     
Não foi a primeira vez que organizações de sem-terra praticaram esse tipo de crime. E continuam sendo tratados como movimentos sociais, recebidos pelas autoridades, beneficiados por uma justiça tolerante e, sobretudo, mamando nas verbas públicas. A  violência contra leis e regras sociais acaba financiada pelos impostos pagos pela mesma sociedade. Normal de novo.     
Depois da invasão, o Palácio do Planalto divulgou nota dizendo o seguinte: ?A Presidência da República está segura de que os movimentos sociais brasileiros não se identificam com atitudes de violência cometidas contra instituições cuja liberdade e soberania foram tão difíceis de conquistar?.     
Ora, como não se identificam? Eles praticam a violência. Mesmo assim, todos os líderes envolvidos nesses atos têm fotografias com o presidente Lula, tiradas em reuniões de trabalho. Como se chama isso?     
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, condenou a ?barbárie? da invasão, mas ressalvou que as reivindicações dos invasores são justas e endossadas pelo seu ministério. Entre estas, está o protesto contra a regra pela qual uma propriedade invadida fica excluída da reforma agrária, assim como os invasores não podem ser assentados naquela ou em outra terra. Para Cassel, essa regra ?não tem eficácia?, devendo mesmo ser alterada.     
Mas como poderia ter eficácia se o governo não a cumpre?     
Erro mais grave cometeu o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, que não deixou a Polícia Militar entrar para não ferir a autonomia da casa. Então não se pode chamar a PM para defender o Legislativo?     
Eis porque sobra violência, no individual e no social. Publicado em O Globo, 8/junho/2006

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