ECONOMIA E POLÍTICA

. Política econômica, ditaduras e democracias Já se disse que qualquer política econômica dá certo, desde que aplicada com consistência e rigor. Por isso mesmo se diz que algumas políticas só funcionam em ditaduras. Um exemplo sempre citado é o caso do ajuste fiscal feito no Chile no tempo de Pinochet. Reformaram a Previdência Social de cabo a rabo. Eliminaram quase todo o sistema público e criaram os fundos privados de pensão aos quais os trabalhadores foram obrigados a aderir. Fizeram isso de uma canetada só. Mas com a caneta autorizada por metralhadoras e tanques que eliminaram qualquer conversa de direito adquirido. Uma violência. Mas o mais interessante é a sequência. Pinochet caiu, a Justiça acaba de determinar que ele seja fichado na polícia, o regime é democrático há três mandatos presidenciais e o sistema de previdência privada continua lá. Não passou pela cabeça dos governantes eleitos reestatizá-lo. É que funciona. Não apenas garante as aposentadorias, como eliminou um buraco nas contas públicas. E os fundos se tornaram grandes formadores de capital local. Considerando a dificuldade do governo FHC em avançar na reforma da nossa Previdência, que continua sendo a principal parte do déficit nas contas públicas, surge uma questão interessante: será que algumas mudanças, mesmo sendo positivas, só se fazem à força? Deixemos o assunto em suspenso e tomemos outro exemplo, a China. O país experimenta um longo período de forte crescimento desde que Deng Xiao Ping acelerou a introdução do modo capitalista de produção. O que temos? Uma ditadura tão sanguinária quanto a de Pinochet, denominada comunista, que promove um rápido crescimento baseado na acumulação forçada de capital e no trabalho barato. Não tem CUT, não tem PT, não tem greve – e assim eles conseguem exportar mercadoria barata para o mundo todo. Note-se que, como na Argentina, também na China a moeda está atrelada ao dólar. Pelo menos desde 1995, a cotação é de 8,28 por dólar, o que tem a vantagem de impedir a inflação. Mas se a moeda está valorizada, isso pode encarecer as importações, a menos que se mantenham baixos os salários reais. Lá na China, eles impõem o salário baixo, o que torna o produto local competitivo. O país exporta, cresce, gera empregos etc. etc. Na democrática Argentina, o governo não consegue reduzir os salários reais, não pelo menos no tamanho necessário e, assim, o produto argentino fica caro, o país não exporta, não cresce. Retomando a questão. O fato é que algumas políticas econômicas – como as reformas de Pinochet e a marcha capitalista acelerada da China – foram impostas por ditaduras e, bem, produziram resultados positivos. Muita gente já usou essa observação para justificar ditaduras, inclusive aqui entre nós. O regime militar de 1964 seria uma espécie de interregno necessário para colocar algumas coisas em ordem e logo se voltaria à democracia. Aliás, algumas coisas foram mesmo colocadas em ordem – como as reformas econômicas feitas pela dupla Roberto Campos/Gouveia de Bulhões. E depois a ditadura tomou o rumo que tomam todas, fechando-se em si mesma, tendo que recorrer cada vez mais à força para se sustentar. É fato, entretanto, que perdeu apoio na medida em que sua política econômica fracassou. Mas por mais tentador que seja para alguns líderes, à direita e à esquerda, é falso concluir que uma política econômica consistente e rigorosa depende de uma ditadura. Se isso fosse verdade, as democracias seriam os países mais atrasados do mundo e é exatamente o contrário que se observa. Ou seja, governos democráticos fazem boas políticas econômicas – inclusive aqui mesmo no Brasil. Dois exemplos: o período de forte crescimento da era JK. E o primeiro período do governo FHC, aquele que acabou com a inflação, tudo em plena democracia. Nos dois casos, o governo estava determinado, tinha um plano de vôo e, pela persuasão e convencimento, conquistou os votos necessários para realizá-lo. Na verdade, portanto, algumas ditaduras calham de aplicar políticas econômicas eficientes. A maioria, não. Os militares do Chile deixaram um legado econômico muito superior ao dos seus colegas argentinos, que terminaram de afundar o país na crise. Os militares brasileiros também falharam no quesito econômico, igualmente deixando para a democracia um país em crise. Deve-se concluir, portanto, que as políticas econômicas de algumas ditaduras são eficientes não porque são aplicadas por ditaduras, mas porque são firmes e consistentes. A diferença é que, em ditaduras, é mais fácil implantar certas políticas porque não se precisa convencer ninguém. A democracia dá mais trabalho. Mas exige igualmente política econômica consistente. Exige até mais firmeza e consistência, porque é preciso explicar, demonstrar, gastar saliva não apenas para convencer os eleitores, mas para manter os correligionários firmemente unidos naquele propósito. Quando o governo perde a fé na sua política e seus membros começam a se esfaquear pelas costas – bem aí não há democracia nem ditadura que conserte. Compare o primeiro governo FHC e o atual. (Publicado em O Estado de S..Paulo, 03/06/2001)

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