ECONOMIA E ELEIÇÕES 2006

. Economia e eleições     
A inflação rodando na faixa dos 4% ao ano, com a atividade econômica crescendo no ritmo de 4% anuais, está muito bom, não é mesmo? Acrescente-se aí que o rendimento real dos trabalhadores está crescendo 5% em comparação com o ano passado e que a oferta de emprego sobe moderadamente. Mais ainda: o crédito às pessoas físicas continua em alta,  com queda dos juros e ampliação do número de prestações, o que abre o universo dos consumidores capazes de comprar uma tevê ou um computador.     
Não é de estranhar que os consumidores estejam bastante animados, conforme indicou a pesquisa divulgada na última sexta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sem entrar nos detalhes do  índice, basta registrar que a mais recente avaliação ? duas mil pessoas entrevistadas entre 9 e 13 de junho ? mostrou que o otimismo do consumidor está com viés de alta e atingiu o melhor momento desde agosto de 1996, quando todos ainda curtiam o novo Real.     
Para completar a visão do quadro macroeconômico, deve-se acrescentar que as contas externas continuam com bons resultados. Os enormes superávits do comércio externo ? gerados pelo fortíssimo crescimento da economia mundial ? permitiram ao país acumular dólares e, assim, praticamente matar a dívida externa e a dívida interna dolarizada. Dado o tamanho das reservas ?  US$ 60 bilhões ? e considerando a redução dos pagamentos externos, mesmo que ocorra uma grave crise internacional, os efeitos sobre o Brasil tendem a ser limitados.     
Por exemplo, não existe a menor chance do governo ser obrigado a voltar ao Fundo Monetário Internacional. Se ocorrer uma desvalorização forte do real, isso não vai aumentar o endividamento público, ao contrário, por exemplo, do que ocorreu em 2002.     
Pode-se argumentar que o Brasil está crescendo menos que muitos outros países emergentes, o que é verdade. Mas também é correto dizer que o Brasil de hoje está melhor que o de ontem, crescendo mais, em ambiente macroeconômico mais equilibrado.     
Há um problema grave nas contas públicas, mas ainda não aparece no radar de curto prazo. O governo federal está aumentando pesadamente os gastos, em todos os itens, de maneira insustentável. Mas como, por enquanto, a arrecadação de impostos também está crescendo, o governo consegue pagar tudo e ainda fazer o superávit primário equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), dinheiro destinado a pagar juros e assim manter o endividamento público em queda.     
Portanto, quando se faz o check list da situação econômica atual, o Brasil passa bem.     
Será enorme o peso disso nas eleições presidenciais, especialmente porque a atividade econômica tende a esquentar no segundo semestre.     
Ou seja, o tucano Geraldo Alckmin terá de contar uma história muito boa para convencer os eleitores de que Lula não merece um segundo mandato. Se as pessoas votam com o bolso, então a tendência dos eleitores brasileiros será pela continuidade.     
Alckmin pode abrir uma discussão de paternidade. A política econômica em vigor é, sem tirar nem por, a continuação perfeita e melhorada da que foi lançada nos dois governos FHC: responsabilidade fiscal e superávit primário introduzidos em 1998; regime de metas de inflação com Banco Central autônomo, de 1999; câmbio flutuante, também de 1999. Políticas econômicas dão resultados cada vez melhores se aplicadas com persistência ao longo do tempo ? e a atual vem sendo construída há quase 13 anos.     
E aqui a situação ficou curiosa. O presidente Lula pode dizer que teve o bom senso de manter e aperfeiçoar uma política. Mas ele não quer esse mérito. Ao contrário, sustenta que as coisas só melhoraram a partir de 2003 ? e baseia o argumento no péssimo desempenho econômico de 2002: inflação de 12,5%; crescimento de 1,9%; taxa básica de juros a 25% em dezembro; desemprego perto de 12%; risco país a 1.400 pontos, contra os 240 de hoje.     
Os números são todos corretos, mas mostravam o risco Lula ? ou seja a desconfiança de que Lula, recém eleito, mudasse a política econômica para algum tipo de populismo à Chavez ou Morales. Na verdade, em 2002, a situação econômico-financeiro se deteriorou na exata medida em que Lula consolidava sua vitória. Como ele foi mudando a conversa no final da campanha e depois de eleito, e como, no governo, não apenas manteve como reforçou a política econômica, a história voltou a seu curso normal, agora apoiada por um incrível momento de expansão da economia mundial. Alckmin pode dizer, portanto, que as bases de tudo são tucanas, mas isso mudaria a cabeça do eleitor? Este talvez não se interesse pelo tema. E, mesmo que se interesse, poderia dizer: tudo bem, mas o cara ? Lula ? tocou direitinho. Assim, Alckmin está preferindo atacar ao menos alguns aspectos da política econômica, por exemplo, os juros altos e o dólar barato. Erra o alvo. Os juros estão caindo e o crediário se ampliando. Tudo bem que 3% ao mês é muito alto, mas para o cidadão que não tinha crédito está melhor que antes, sobretudo se a prestação, mais espaçada, cabe no orçamento. E o dólar barato está derrubando preços, inclusive de computadores, finalmente chegando às classes C e D. Em resumo, o debate de política econômica não é um bom campo de disputa para o tucano. O que, em tese, poderia até melhorar a campanha de todos. Em países estáveis, as bases de política econômica não estão em discussão. Todos estão de acordo que não pode ter inflação, que o governo não pode gastar além de um certo limite, que as contas externas precisam estar equilibradas e a dívida deve ser reduzida. Isso posto, se discute educação, saúde, segurança. E, claro, como aperfeiçoar a macroeconomia. E, aqui, sabem o que nos falta? Duas coisas: um programa de redução do gasto público (incluindo, especialmente, a  reforma da previdência) e forte abertura às importações. Mas provavelmente serão os temas menos debatidos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 10 de julho de 2006    

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