Esse debate em torno de inflação, metas e bancos centrais ocorre no mundo todo. É o tema de capa da última edição da revista The Economist. Em linhas gerais, o problema é o mesmo tanto nos países desenvolvidos quanto nos emergentes: a taxa básica de juros subiu – e continua subindo em muitos lugares – e mesmo assim a inflação, embora caia, dá sinais de resistência.
O que fazer? Mais juros? Aceitar uma recessão? Ou tolerar uma inflação mais elevada por mais tempo? Nos países desenvolvidos – Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, União Europeia – a meta de inflação é de 2% ao ano. Discute-se: talvez uma meta informal de 3% esteja de bom tamanho para as circunstâncias.
Quer dizer que o presidente Lula está atualizado com o panorama mundial quando esculhamba o BC, a meta de inflação e os juros de 13,75% ao ano?
Não, não está.
Há uma diferença entre esculachar, sem apresentar soluções amplas de política econômica, e discutir em ambiente democrático e civilizado. Se tomado este último caminho, encontram-se fatos surpreendentes para muita gente aqui no Brasil.
Por exemplo: no debate internacional o BC do Brasil aparece como tendo um dos melhores desempenhos. Os acertos citados: percebeu antes dos outros que a inflação de 2021 não era transitória; em consequência, começou a elevar juros antes dos outros; e, finalmente, conseguiu resultados expressivos.
O BCB começou a subir a taxa básica de juros (a Selic) em março de 2021, quando a inflação mensal se aproximou de 1%. Foi um ano difícil: a Selic subiu de 2% para 9,25% em dezembro, enquanto a inflação permanecia elevada mês a mês, chegando a um pico de mais 12% em doze meses. Terminou em 10,06%, bem acima do teto da meta.
Em 2022, o BCB continuou puxando a Selic, alcançando 13,75% em agosto. A inflação finalmente cedeu. É verdade que preços chaves – combustíveis, energia – foram derrubados via redução de impostos. De todo modo, fechou o ano em 5,79%, um pouco acima do teto da meta (5,0%)
Nota The Economist: a alta da Selic “derrubou a inflação de 12% para 5,8%, a maior queda entre os emergentes”. Todos estes continuam subindo seus juros e ainda com inflação elevada. No Chile e na Colômbia, por exemplo, é mais do que o dobro da brasileira.
Mais importante para o Brasil: em meados de 2022, ficou claro que trajetória da inflação era descendente. Os chamados agentes econômicos esperavam queda contínua para 2023 e 2024, conforme expresso no Boletim Focus, um relatório que resume as opiniões do mercado, ou seja, de fora do BC. Tanto que essas mesmas expectativas indicavam o início da redução da Selic para meados deste ano.
Por esses dados, o BCB acertaria a meta de inflação ao longo de 2024, isso indicando uma estratégia de média prazo. Como outros BCs estão fazendo.
De todo modo, o cenário brasileiro parecia estar nos trilhos até que o governo Jair Bolsonaro detonou os gastos para tentar ganhar a eleição. Apareceu o risco de desajuste das contas públicas, piorando as expectativas, como notaram os relatórios do BCB.
E a coisa desandou de vez na formação do governo Lula, com a aprovação da PEC que consagrou o aumento de gastos para 2023 – prevendo-se um déficit de mais de R$ 200 bilhões – e derrubou o teto de gastos sem colocar nada no lugar.
Terminou de piorar quando Lula iniciou a guerra contra “esse cidadão” do BC e o regime de metas, a favor de uma inflação mais alta.
Todas as expectativas pioraram. Espera-se agora mais inflação e mais juros para este ano e para o próximo. A Selic ficando mais tempo em 13,75%.
Claramente, Lula conseguiu piorar as coisas. Já estava em curso aqui e lá fora o debate sobre a flexibilização das metas, como defendiam muitos economistas da academia e do mercado.
Mas não desse jeito truculento e, sobretudo, sem uma regra que limite o crescimento da despesa e da dívida públicas. A regra é uma promessa. O aumento de gastos já está aí.
Publicado em O Globo em 18/fevereiro/2023