E MALAN NÃO ERA CANDIDATO

. Dois anos atrás, o ministro Pedro Malan meteu-se numa cruzada contra o plebiscito da dívida pública, então promovido pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) com o apoio entusiasmado do PT. Não era bem um plebiscito, pois as perguntas colocavam o votante diante da opção de pagar juros aos banqueiros e especuladores ou não pagar e gastar o dinheiro com os pobres. Ou seja, ou você era pelo calote ou era um canalha insensível. O plebiscito teve razoável mobilização, apareceu bem na mídia, mas não se pode dizer que era uma onda nacional. Assim, a forte e insistente campanha de Malan parecia desproporcional. Por que estaria se ocupando tanto de um movimento limitado a parte das oposições? Só poderia haver uma resposta, especulou-se então: o ministro estaria se lançando na política, de olho numa candidatura presidencial. Muita gente só deixou de acreditar nisso em outubro do ano passado, quando se encerrou o prazo para filiação partidária e Malan continuou sem partido e, pois, sem candidatura. Só então se acreditou que os objetivo do ministro era aquele mesmo que ele explicitava. O seguinte: em um país com política econômica estável não se pode sequer cogitar de calote no pagamento da dívida pública, seja interna ou externa. Que pequenos grupos radicais tratem disso, não tem tanta importância. Que a CNBB se meta nisso, é curioso, mas também não produz desastres maiores. O alvo do ministro era na verdade a participação do PT. Não é de hoje que o PT está em ascensão. Desde sua fundação, a cada eleição o partido avançou mais um pouco, a cada pleito se aproximou do poder. Um dia chegaria lá, como afinal chegaram partidos de esquerda pelo mundo afora. E por isso mesmo, dizia então Pedro Malan, não era razoável que o maior partido da oposição, já com responsabilidades em prefeituras e governos estaduais, endossasse a tese de calote na dívida pública. Ou seja, estava antecipando o que aconteceu neste ano: o processo de moderação do PT na medida em que o partido mais se aproximava do poder, repetindo experiências de outros países. Quanto mais perto do governo, mais moderado se torna o partido. O único problema é que esse processo de moderação se completou muito em cima da hora. Lá em abril e maio, quando se formava a hipótese de uma presidência Lula, o mercado tratava de antecipar como seria o governo petista. E o que via? O plebiscito da CNBB e os documentos que propunham a ruptura do modelo econômico, o rompimento com o FMI e a revisão das privatizações, entre outras heterodoxias. Não é de admirar a confusão que se armou. Visto em retrospectiva, Malan estava ou não correto em reclamar racionalidade do maior partido de oposição? A resposta está no comportamento de Lula do PT a partir de maio último, quando os mercados já começavam a estressar. O partido esqueceu o plebiscito de 2000, desembarcou do plebiscito deste ano, contra a Alca, eliminou os documentos que propunham ruptura e rompimento, apresentou outro em que se compromete a respeitar os contratos (e, pois, os pagamentos da dívida), a manter a estabilidade e o superávit primário. Nunca se sabe como a história teria sido se certas atitudes não tivessem sido tomadas. Mas parece razoável pensar que boa parte da atual crise financeira, que é uma crise de confiança, não teria ocorrido se a moderação do PT tivesse começado lá atrás. É preciso ser claro neste ponto polêmico. A crise financeira do momento tem vários ingredientes, a começar pelo péssimo momento da economia mundial. Falta crédito e o risco país aumentou não apenas para o Brasil, mas para todos os emergentes. Moedas se desvalorizaram pelo mundo afora, inclusive o dólar. Grandes companhias multinacionais também estão pagando juros mais altos. Aqui dentro, o fato de parte da dívida interna estar indexada ao dólar é um grave complicador. O próprio tamanho da dívida é um problema. Mas o ponto é que essa situação das contas externas e internas já era assim em abril deste ano, quando o dólar estava a R$ 2,30, o risco Brasil, a 700 pontos e a Bovespa, a 14 mil pontos. O que mudou de lá para cá além do cenário eleitoral. E há mais um complicador agora, que é a politização do Banco Central, envolvido na campanha eleitoral. Não interessa saber de quem é a culpa desse envolvimento, mas é importante verificar que isso indica a falta de institucionalização da política econômica. Compare com o avanço da nossa democracia. Um líder de esquerda é o favorito nas eleições presidenciais, e daí? Todo mundo sabe que continua tudo a funcionar do mesmo jeito (Congresso, Justiça, imprensa, partidos, forças armadas, etc.) Mas na política econômica há dúvidas e suspeitas, infundadas ou não, de mudanças radicais. Se fosse igualmente institucionalizada, por exemplo, com a autonomia do Banco Central, a mudança seria tão normal quanto nas instituições políticas. Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/10/2002

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