E AGORA? ESTÁ SOBRANDO DÓLAR

. —Economia brasileira precisa se adaptar a uma nova era—

Foi a semana do dólar. A cotação caiu para R$ 1,73 e trouxe de volta a inquietação com o que seria a excessiva valorização do real. E agora, o que fazer, sobretudo quando se considera que há muitas oportunidades de investimentos no Brasil que necessariamente atrairão mais dólares?
Há uma linha de economistas e empresários que não tem dúvidas: é preciso desvalorizar o real para salvar a indústria brasileira. Explicando: um real desvalorizado (ou um dólar mais caro, seu reverso) encarece as importações e barateia os produtos de exportação.
Mas olhem aqui ao lado, para a Argentina. Há muito tempo, o governo lá mantém o peso desvalorizado (na cada dos três por dólar), com esse objetivo, salvar a competitividade da indústria. Mas com essa proteção toda, não consegue competir com a indústria brasileira. Tanto que, além do dólar caro, o governo argentino vive colocando impostos, taxas e outras barreiras para encarecer ainda mais os produtos brasileiros.
A economia argentina não é competitiva por outros motivos: infra-estrutura precária, há anos sem investimentos dadas as restrições colocadas pelo governo (tarifas congeladas, imposto pesado, confiscos), tecnologia atrasada por falta de máquinas novas, falta de financiamento, péssimo ambiente de negócios.
O que a história recente da Argentina mostra é como a moeda desvalorizada é um instrumento de segunda para uma economia de terceira.
Aqui, para melhorar a vida do exportador, há muita coisa por fazer: portos mais eficientes barateiam a exportação idem para estradas e aeroportos se o governo não cobrasse imposto dos exortadores e se devolvesse os impostos cobrados indevidamente, também tornaria as exportações mais competitivas. Uma boa redução da carga tributária também tornaria toda a economia brasileira mais eficiente.
O problema, dizem alguns analistas e empresários, é que isso tudo exige reformas de difícil implementação. Assim, o dólar caro seria a única proteção possível, uma compensação para a ineficiência geral da economia.
Mas ir por esse caminho significa simplesmente desistir de fazer do Brasil uma economia de ponta. No tempo da inflação alta e crônica, se dizia que a correção monetária era um instrumento de primeira para uma economia de segunda. A moeda local desvalorizada não é instrumento de primeira, é de segunda. E também se dizia que a inflação era ?natural? no Brasil, que era melhor aprender a conviver com ela.
Essa mentalidade nos trouxe anos de atraso. Pretender compensar o custo Brasil com um dólar caro é a mesma atitude. Só nos deixará atrasos. Olhem para a Argentina, que além de tudo tem de roubar nos índices de inflação.

Com dólar
Com estabilidade macroeconômica, o Brasil é um ?paisão? de US$ 1,5 trilhão, entre as dez maiores economias do mundo, e com renda média, o que representa um expressivo mercado interno. São raros os países de três milhões de carros/ano e 150 milhões de celulares.
Só isso já atrai negócios e investimentos. É bom que seja assim. Excesso de dólar deveria ser um doce problema, especialmente quando comparado aos momentos anteriores, em que a falta de dólares levava a sucessivas crises no balanço de pagamentos.
O país deveria se preparar para este período de real valorizado e tentar saltar para o primeiro time com ganhos legítimos de eficiência e produtividade. Isso inclui um governo menor, que tome menos dinheiro das empresas e das pessoas.
Como dizem os economistas, a política fiscal precisa ser forte (com a contenção do gasto público e redução do endividamento) para que a política monetária possa ser frouxa (com juros menores).

A queda do dólar
A moeda americana está desvalorizada no mundo todo. Entre os países importantes, a desvalorização é mais forte no Brasil. Desde o início do ano, o real tem uma valorização pouco acima de 30%.
Mas o dólar australiano está logo ali, com uma valorização de 29%. E pelos mesmos motivos que o Brasil: saiu rápido da crise, recebe investimentos estrangeiros, exporta comodities.
Também têm moedas com forte valorização África do Sul, Noruega e por aí vai.

O fim do dólar
É generalizada a especulação: será o declínio final do dólar? Na era do capitalismo, o dólar é, por assim, dizer, a segunda moeda global. A primeira foi a libra esterlina, que perdeu espaço com a decadência do Império Britânico.
Ou seja, o dólar será eliminado como a moeda universal se e quando a economia americana estiver em declínio.
Para muitos, esse processo já se iniciou e é irreversível, embora demore muito para chegar ao final. O final será a emergência de outra ou outras potências dominantes e outra ou outras moedas.
Quais seriam? A chinesa?
Que tal? Sair da influência americana para a chinesa?

A conta
O governo federal aumentou todos os seus gastos neste ano. Podem olhar os relatórios mensais do Tesouro. Subiram os gastos com pessoal, previdência, custeio e capital, os quatro itens de despesa.
O governo também foi generoso com os prefeitos, por exemplo, que continuaram gastando neste ano mesmo com a queda das receitas. Foram, então, passar o pires em Brasília. E levaram, inclusive com cerimônia política de liberação.
O único item no qual o governo fez uma economia significativa foi na devolução do imposto de renda cobrado a mais. Atrasar a restituição foi a única política de contenção feita pelo governo.
Por isso, não faz sentido a justificativa dada por Lula e Mantega, segundo os quais atrasar a restituição é normal num período de queda da arrecadação. Seria se o governo tivesse aplicado uma política de contenção generalizada.

Publicado em O Estado de S.Paulo, 12 de outubro de 2009

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