DÓLAR, INFLAÇÃO E CRESCIMENTO

. Dólar, inflação e crescimento   No início desta crise, a questão era saber o que o Banco Central poderia ou deveria fazer para derrubar a cotação do dólar ou ao menos interromper a trajetória de alta. De uns dias para cá, toma corpo uma outra opinião: talvez as medidas necessárias para segurar o dólar não sejam eficientes ou, sendo eficientes, talvez saiam mais caras para o país do que a própria alta da moeda americana. Qual o principal problema do dólar muito caro? A inflação, que em algum momento chega ao consumidor, na medida em que tudo que é importado, tem componente importado ou pode ser exportado fica mais caro. Não é uma inflação do tamanho da desvalorização do real, mas pode ser alta o suficiente para comprometer a meta deste ano e do próximo.    Isso tem custo real (pesa no orçamento das famílias, reduz renda real), custo político (este não é o plano que acabou com a inflação?) e afeta negativamente as expectativas. Afinal, o regime oficial de política econômica é o de metas de inflação. O BC recebe a tarefa – inflação de no máximo 6% neste ano, medida pelo IPCA do IBGE – e tem larga autonomia para realizá-la. Se não consegue ou se desiste, algo deu errado. Assim, a questão se encaminhou para um ponto determinado: o BC deve fazer alguma coisa, não com o objetivo direto de fixar uma determinada cotação para o dólar, mas de bloquear a alta da inflação. Para alguns analistas, o BC deveria preocupar-se apenas com o efeito-inflação. E como é que se combate alta de preços? Com a alta dos juros. Elevam-se as taxas, os financiamentos ficam mais caros, as empresas investem menos, as pessoas compram menos, e quem é vai conseguir aumentar preços nesse ambiente? Adicionalmente, a alta dos juros pode ajudar a derrubar o dólar, na medida em que perderá dinheiro quem permanecer aplicado na moeda americana. Ou seja, torna-se bom negócio trocar dólares por reais e aplicá-los a juros generosos. Mas há inconvenientes importantes nessa tática. O governo – o setor público – é o maior devedor da praça. Portanto, é também quem mais gasta com juros mais caros. E o país não cresce com juros elevados, o que significa menos lucros (e investimentos) para as empresas, menos emprego e salário para os trabalhadores. Assim, a política dos juros altos bloqueia a inflação, até derruba o dólar, mas à custa de aumento da dívida pública e da paralisia da economia. Além disso, muita gente adquire ativos financeiros em dólar não para ganhar dinheiro ou especular, mas simplesmente porque tem contas a pagar em dólares. Por exemplo: uma companhia telefônica estrangeira que tem receita em reais, mas precisa pagar financiamentos e remeter dividendos em dólar. Essa empresa vai adquirir proteção em dólar e ponto final. Portanto, é a conclusão, em vez de jogar juros nas alturas, seria mais conveniente o BC vender dólares ou títulos indexados em dólar e derivativos no mercado financeiro. No caso do dólar moeda, a desvantagem é que o BC perde reservas. E se a demanda por moeda estrangeira continuar subindo? Sobe a cotação, mais gente vai querer dólar por causa disso, e a cirando roda até se esgotarem as reservas. Daí decorre a opção por venda de títulos públicos vinculados à moeda americana. Se o BC não pode fabricar dólares, pode emitir os títulos. E para quem precisa de proteção, o título dolarizado funciona do mesmo jeito. Na hora do resgate, o comprador recebe reais, mas equivalentes a dólares na cotação do momento. Essa empresa está protegida do risco cambial. Ocorre, é o contra-argumento, que esse risco cambial se transfere para o Banco Central, isto é, para o governo, isto é, para o contribuinte. Aumenta-se a dívida pública indexada em dólar, um problema a cada desvalorização do real. E aí, como ficamos? A saída do senso comum é fazer um pouco de tudo, o que o BC tem feito. Elevou a taxa básica de juros para 18,25%, vendeu dólar moeda e títulos indexados. De outro lado, a recente decisão do BC de vender US$ 6 bilhões até o final do ano, na base de US$ 50 milhões por dia útil, é um pouco diferente. Tem menos a ver com a crise e a instabilidade do momento e mais com o médio prazo. Ocorre que se esperavam para este ano investimentos estrangeiros diretos na medida para cobrir o déficit nas contas externas brasileiras, em torno de US$ 27 bilhões. Dada a desaceleração na economia mundial, já se sabe que não virá todo esse dinheiro, mas no máximo US$ 20 bilhões. Assim, com as vendas diárias de 50 milhões, o BC está como que suprindo essa falta. Agora, fora do senso comum, tem surgido a proposta de que o BC não deveria nem vender dólares ou títulos para derrubar a taxa de câmbio, nem aumentar juros para segurar a inflação na meta. A idéia básica é a seguinte: o dólar está disparando principalmente por causa da crise argentina, que gera expectativas negativas. Não por coincidência, todas as moedas latino-americanas se desvalorizaram. Mais o real, por causa da proximidade, da crise energética, do enfraquecimento do governo, do debate eleitoral. Mas todos estes fatores e mais a desaceleração mundial, sem crise argentina, poderiam levar o dólar a R$ 2,20, digamos, o que não seria desastroso. Ora, como o BC brasileiro não vai resolver a crise argentina, o negócio é apertar os cintos e suportar não apenas o dólar alto mas também a inflação fora da meta. Ou seja, não elevar os juros locais e permitir que o país cresça. Argumenta-se que o regime de metas de inflação permite estouro de metas, desde que este seja explicado por motivos alheios à política monetária local. É o caso. Teremos inflação maior não por causa do excesso de consumo, de juros muito baixos ou porque o país esteja crescendo mais do que pode, mas por fatores externos (a desaceleração mundial, a crise argentina e falta de luz). A idéia, em resumo, é trocar um pouco mais de inflação – digamos, algo um pouco acima dos 6%, em razão de fatores externos – por mais crescimento econômico. Não é idéia de maluco, mas, por exemplo, do economista Sérgio Werlang, da FGV, ex-diretor do BC e justamente o autor da política brasileira de metas de inflação. É uma palavra a ser considerada. Muito considerada. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 16/07/2001). A série sobre o programa econômico apresentado para debate por Luiz Inácio Lula da Silva segue na próxima semana)

Deixe um comentário