DO QUE DEPENDE A RETOMADA

. A mão visível do Banco Central Que os números enganam, disso sabemos há muito tempo. Que os números enganam mais quando utilizados para medir comportamentos humanos, como as decisões de comprar, poupar ou investir, também sabemos. Mas há momentos em que os números oferecem sinais rigorosamente invertidos. É o Brasil de hoje. Os números do Produto Interno Bruto (PIB) para o primeiro trimestre deste ano e os dados do desemprego levaram a conclusões irreconciliáveis. Alguns entenderam que o Brasil está em recessão, outros, em recuperação. A maioria dos analistas ficou com esta segunda opção, provavelmente, a que mais se aproxima da realidade. Mas é preciso esquentar a cabeça para compreender a matemática e superar paradoxos. Por exemplo: é possível que o aumento da taxa de desemprego indique a recuperação da economia? Aos números. Nos 12 meses encerrados em abril último, a economia brasileira criou 310 mil empregos, formais ou informais. Mas a taxa de desemprego medida pelo IBGE passpu de 6,5% em abril de 2001 para 7,6% em abril último. Como é possível ter havido mais empregos e mais desemprego ao mesmo tempo? A taxa, obtida por pesquisa domiciliar nas seis principais regiões metropolitanas, mede a relação entre as pessoas que estão no mercado de trabalho (ou trabalhando ou procurando emprego) e aquelas que não conseguem uma ocupação. Ou seja, só quem está procurando uma vaga e não a encontra, é colocado entre os desempregados – e esse é um critério internacional. De abril de 2001 a abril último, 560 mil pessoas entraram no mercado de trabalho. Eis aí a solução do paradoxo. A economia criou vagas, mas não em quantidade suficiente para atender a todos que se apresentaram no mercado. Em abril último, portanto, havia mais pessoas trabalhando e mais pessoas desocupadas. Quem se apresenta no mercado? Há uma oferta natural, dos jovens que chegam à idade adulta. Mas há outra que depende da conjuntura. Por exemplo: a economia está claramente em marcha lenta. As pessoas só ouvem falar de demissões de parentes, amigos e conhecidos. Batem perna, gastam dinheiro de condução procurando vaga e não a encontram. Desistem, deixam o mercado de trabalho. Assim, ocorre ao mesmo tempo a redução do número de vagas e queda na taxa de desemprego. Simplificando: no momento A, são dez pessoas no mercado de trabalho e nove trabalhando, com taxa de desemprego de 10%. No momento B, são oito pessoas no mercado (duas desistiram, queda de 20% na oferta) e 8 trabalhando (com redução de 12,5% no nível de emprego), com taxa de desemprego nula. A situação inversa é a que se passa na economia brasileira neste momento. O número de pessoas ocupadas começou a aumentar em outubro do ano passado. Dada a oferta de novas vagas, mais pessoas se animaram e voltaram a procurar emprego. Essa situação – mais vagas e mais desocupados ao mesmo tempo – é uma característica do início dos processos de recuperação. Nos Estados Unidos, por exemplo, a economia está em recuperação e se calcula que o desemprego cresce até julho, devendo cair só no segundo semestre. Outro número que mede a atividade econômica é o do Produto Interno Bruto, medido trimestralmente, conforme critérios internacionais. O PIB brasileiro do primeiro trimestre de 2002 aumentou ou diminuiu? Depende da comparação, como tudo na vida. Dizem que uma vez perguntaram ao filósofo, matemático, lógico e escritor inglês Bertrand Russell: como vai sua mulher? E ele, depois de alguns segundos de hesitação: mas comparando com quem? Comparado com o primeiro trimestre de 2001, o PIB dos primeiros três meses deste ano caiu 0,7%. Uma recessão, disseram alguns, pois o trimestre anterior, o último de 2001, também mostrara queda de 0,7% no mesmo critério de comparação. Uma convenção internacional sugere que dois trimestres seguidos de queda do PIB indicam recessão. Mas comparado com o último trimestre do ano passado, o PIB do primeiro trimestre de 2002 revela um crescimento de 1,3%, eliminados os efeitos sazonais. Como o último trimestre de 2001, de sua vez, mostrara estabilidade em relação ao trimestre anterior (variação positiva de 0,1%), muitos interpretaram que a economia estava, na verdade, acelerando o processo de recuperação. Eis aí, num critério, recessão. No outro, recuperação. Qual estaria correto? Na verdade, os dois. Apenas que medem coisas diferentes. No primeiro caso, o número diz que no primeiro trimestre deste ano o país estava mais pobre do que no mesmo período de 2001. Na segunda comparação, verifica-se que a produção vem aumentando desde o último trimestre do ano passado, resultado que, acrescido do crescimento do número de vagas, indica uma clara recuperação. Do ponto de vista de quem está na economia, procurando emprego, investindo, comprando ou poupando, interessa mais o segundo critério. Para este fim, não interessa saber como era um ano atrás. Para a tomada de decisões, o que vale é o estado atual da economia e a perspectiva. E os indicadores mais recentes mostram recuperação. Mas recuperação até março. Já estamos em junho. O que remete ao outro problema: os dados examinados medem o passado, às vezes mais remoto, outras, mais próximo, mas sempre para trás. Assim, é preciso olhar os indicadores mais recentes procurando interpretar o que eles apontam para o futuro – tarefa, obviamente, mais difícil, especialmente num momento de transição no ciclo econômico e de volatilidade causada pelo ano eleitoral. Eis alguns sinais mais recentes: a produção industrial, que vinha crescendo mês a mês desde outubro, registrou queda em abril. Já o Indice de Atividade medido pela Fiesp (INA) registrou um pequeno crescimento nesse mês, considerado um ajuste depois da queda de março. As vendas de carros no atacado foram bem em abril, completando quatro meses seguidos de crescimento, mas puxadas por promoções. Em maio, as vendas caíram, e forte. Os eletroeletrônicos também foram bem em abril, mas o setor entende que as vendas continuaram fortes em maio, mês das mães e da Copa do Mundo. Para o comércio em geral, abril não foi bom, mas talvez por razões de calendário. Não houve nenhuma festa e teve um fim de semana a menos. Em maio, claramente melhoraram as vendas no varejo, tanto à vista, quanto no atacado, mesmo descontando-se os efeitos sazonais. A massa real de rendimentos melhorou desde janeiro, mas lentamente, estando ainda abaixo dos níveis do ano passado. A confiança do consumidor, conforme o índice medido pela Federação do Comércio de S.Paulo, caiu em maio, depois de seis meses de alta. Finalmente, um indicador importante é positivo. A Associação Brasileira do Papelão Ondulado informa que as entregas de abril último foram 6,05% superiores à de abril de 2001. No acumulado deste ano, as vendas estão 0,6% acima do mesmo período de 2001. Para maio, espera-se algo igual ou um pouco superior ao do ano passado. Papelão ondulado serve para embalagens – e se o pessoal está comprando embalagens é porque tem entrega para fazer. Tudo considerado, pode-se dizer que há uma recuperação, cujo ritmo caiu nos últimos dois meses. As causas prováveis foram a alta da inflação, que retira poder de compra do consumidor, a alta dos juros, depois que o BC interrompeu a redução da taxa básica, e o ambiente negativo no mercado financeiro, com a alta do dólar. Resultado: a retomada da recuperação depende de uma mãozinha do Banco Central. A retomada queda dos juros, na reunião deste mês, daria o sinal positivo. Alguma ação para diminuir a volatilidade financeira também seria de grande ajuda. Publicado na revistra Exame, edição número768, data de capa 12/06/02

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