–Na campanha, a política econômica não ia mudar. Na montagem do governo, parece que vai. E para pior—–
Não é por nada não, mas está parecendo que o governo de Dilma Rousseff vai tentar a política dos sonhos dos chamados ?desenvolvimentistas?: combinar a redução do déficit e da dívida públicas com o aumento, isso mesmo, aumento dos gastos do governo em custeio, pessoal, previdência e investimentos.
Não se trata de programa oficial, mas é o que indicam alguns sinais emitidos até aqui. Guido Mantega fica na Fazenda, se diz, por seu perfil desenvolvimentista, que coloca o Estado investindo e financiando fortemente a atividade econômica. Por exemplo, se comenta que uma das tarefas imediatas de Mantega seria arrumar R$ 60 bilhões para o caixa do BNDES. Nos últimos dois anos, o governo tomou emprestado uns R$ 200 bilhões para repassar ao BNDES. Provavelmente, fará outra operação deste tipo.
Além disso, estão em andamento diversas medidas que aumentam significativamente os gastos – como a elevação do salário mínimo, que cai direto nas contas do INSS ? e outras providências que aumentam o endividamento, como a abertura de financiamentos para obras da Copa.
Ao mesmo tempo, porém, se diz que a tarefa principal de Mantega será conseguir uma fortíssima redução da dívida líquida do setor público em relação ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB), isso compatibilizado com a redução dos juros reais, dos atuais 5,5% ao ano para algo como 2%, tudo isso em quatro anos. E mais a redução da meta de inflação, hoje em 4,5% ao ano.
Pela lógica mais amplamente admitida entre os economistas, a sequência seria a seguinte: uma forte redução da dívida pública abriria espaço para a queda da taxa real de juros. E essa redução da dívida teria que ser feita com a contenção ou a diminuição das despesas não financeiras (custeio, pessoal, previdência e investimentos) ou com o aumento da arrecadação de impostos ou com uma combinação.
Como pretende aumentar os gastos e a capacidade de financiamento do Estado, o governo Dilma teria um caminho arriscado: o truque é inverter a história e começar pela redução dos juros. Hoje, o governo faz o superávit primário (o saldo entre receitas e despesas não financeiras) e com esse dinheiro paga juros, com o que vai reduzindo a dívida pública.
Ora, as despesas com juros ? pesadas, equivalentes a 5,5% do PIB ? variam, em parte, com a taxa básica definida pelo BC, que incide sobre os títulos vendidos pelo governo. Uma boa redução dessa taxa, tal é o raciocínio, diminuiria a despesa financeira do governo, o que reduziria o tamanho da economia necessária para pagar juros. Ou seja, sobraria mais dinheiro para gastar com tudo o mais.
É por isso, aliás, que o pessoal de Mantega sinaliza que pretende mudar a contabilidade do orçamento público, incluindo as despesas com juros numa conta só. Ou seja, eliminando o conceito de superávit primário. Ficaria assim: de um lado, se colocariam todas as receitas de outro, todas as despesas (custeio, pessoal, previdência, investimentos e juros). Hoje, essas despesas superam as receitas em algo perto dos 2,5% do PIB.
Esse é o chamado déficit nominal seu limite de prudência, pela teoria mais aceita, é de 3% do PIB. Mas é claro que, se for a zero, a credibilidade do país vai lá em cima. Por isso, o pessoal de Mantega tem dito que a meta é déficit nominal zero, um excelente alvo.
Mas pelo jeitão, eles pretendem chegar lá não pela virtude do ajuste das contas públicas, mas por uma forte redução da taxa básica de juros, definida pelo Banco Central. Por isso, se tem dito em Brasília que a presidente Dilma vai comandar pessoalmente a área econômica em geral e o BC em particular.
Mas como operar a queda dos juros?
Hoje, vale o regime de metas com BC autônomo. O Conselho Monetário Nacional fixa a meta de inflação ? hoje de 4,5% ao ano, com tolerância de dois pontos para baixo ou para cima ? e o BC é encarregado de cumpri-la. Faz isso calibrando a taxa báxica de juros, hoje em 10,75% ao ano (uma campeã mundial). Outro ponto: a margem de tolerância é para situações excepcionais o BC brasileiro persegue o centro da meta.
Há uma ampla teoria e boa prática fundamentando a ação dos BCs mundo afora. Resumindo: montam-se os cenários e se a inflação futura está em caminho de alta, o BC eleva os juros e inversamente. A idéia é chegar á taxa de juros neutra ? aquela que mantém a inflação na meta e permite que a economia cresça de acordo com seu potencial.
Ora, obviamente, as duas questões mais complicadas são: qual a taxa neutra? Qual o crescimento potencial da economia?
Muitos economistas dizem que é impossível responder assim de pronto, no cálculo teórico. A coisa seria mais no ensaio e erro.
Hoje, há uma divergência entre o BC e o setor privado. Para o BC, a taxa atual de juros, 11,75%, nominais, é suficiente para levar a inflação para o centro da meta (os 4,5%), mas isso ocorreria só lá no final do ano que vem.
Fora do BC e do governo, o entendimento dominante indica que o BC precisará elevar os juros em 2011, para 12%, de modo a segurar a inflação nos 5%.
Ou seja, nesse universo, ninguém acredita que haja espaço, neste momento, para uma redução dos juros básicos. Mas na Fazenda, na turma de Mantega, e nas cercanias da presidente eleita, há quem entenda entenda que os atuais 10,75% são exagerados e que a economia brasileira já permite níveis mais baixos.
Assim, seria preciso pessoas dessa tendência no BC, de forma a tentar essa alternativa. Que é perigosa.
Se estiver errada, ou seja, se for fixada uma taxa de juros abaixo do necessário, a inflação, que já está em alta, vai subir ainda mais, estourar o limite de tolerância. E aí? Os juros reais seriam menores, mas pelo lado errado, pelo aumento da inflação. E esta, como se sabe, é desorganizadora. Que faria o governo? Toleraria essa inflação mais alta ou voltaria a uma ortodoxia? E seriam necessários juros ainda mais altos.
Por outro lado, a conta de juros pode aumentar. O mercado, onde se compram e vendem os títulos públicos, forma os juros a partir da taxa básica do BC e da avaliação de seu próprio cenário de inflação, no que se inclui a credibilidade do BC.
Se os compradores de títulos entenderem que o BC está sendo forçado a praticar juros básicos muito baixos, o risco de inflação aumenta e, pois, os juros futuros. Ou seja, o custo da dívida aumentaria, em um ambiente inflacionário, com dívida e gastos públicos elevados. Um desastre. É o resultado mais provável desse equívoco. Destruiria em poucos meses a credibilidade construída especialmente pela gestão de Henrique Meirelles no BC ? este sim, com seu BC autônomo, o principal responsável pela estabilidade.
Publicado em O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 2010