Crescimento Perdido

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Brasil, a chance perdida      
Alguns analistas estão retirando o Brasil do grupo seleto de quatro grandes países emergentes a caminho do enriquecimento. A rigor, dizem, permanecem na turma apenas China, India e Rússia. O Brasil, comentam, já teve sua chance e a perdeu.     
Para um país mudar de categoria é preciso que emplaque, primeiro, uma sequência de uns 15 anos de fortíssimo crescimento, em torno dos 10% anuais. Depois, já criada uma sólida base, deve seguir-se mais outro período de expansão menor, mas ainda significativa. Digamos, com o Produto Interno Bruto então crescendo um pouco acima dos 5% ao ano.      
Faz sentido. Na partida, quando um país pobre começa a crescer, está tudo por fazer. De um porto para dois, se faz uma expansão de 100%. Como se tem pouco capital instalado, qualquer acréscimo faz diferença. Depois de um certo tempo, instalada a base econômica, o ritmo cai.     
Outro ponto importante. Nos países pobres, as pessoas estão dispostas a fazer sacrifício, como trabalhar pesado e por salários baixos, pois a alternativa é pior: falta de emprego, como na China de hoje. Se não trabalha pesado nas novas cidades, o chinês está nas miseráveis regiões agrícolas, sem chance nenhuma.     
Quando o país alcança um nível de renda média, formando uma classe média moderna, o cenário muda completamente. Essa classe média tem novas exigências, econômicas e políticas. Parece que o Brasil não completou o ciclo.        
Depois da Segunda Guerra, o país passou por vários ciclos de expansão forte, mas não conseguiu sustentá-los pelo tempo necessário.     
A sequência mais longa foi de 1968 a 74, quando o PIB cresceu na média de 10,8% ao ano. No período de JK, 1956/60, a média também foi boa, 8% ao ano, mas com apenas três anos em torno dos 10%.     
Fora isso, até o início dos anos 80, quando o país estagnou, o período foi predominantemente de bom crescimento, bastante forte na média, mas com altos e baixos. Parece que essa irregularidade é fatal.     
A Coréia do Sul, um caso exemplar, enfileirou, a partir dos anos 60, nada menos que três décadas de crescimento forte e constante. Saiu de uma renda per capita menor que a brasileira para chegar hoje a quase cinco vezes mais (US$ 16 mil per capita).     
Lá como aqui, a arrancada da indústria teve forte participação do Estado: financiamento público, subsídios, barreiras à importação, proteção, reserva de mercado.     
Mas algo lhes saiu melhor. Conseguiram construir uma indústria competitiva no cenário internacional, avançaram na tecnologia de ponta e já eram grandes exportadores quando o Brasil ainda estava na era das carroças nacionais.     
Quais são os supeitos do fracasso brasileiro?     
Educação ruim, certamente. Não há crescimento constante sem ganhos de produtividade. E não há ganhos de produtividade sem trabalhadores com muitos anos de boa escola. O Brasil apenas recentemente conseguiu colocar todas as crianças na escola fundamental e está longe de colocá-las no ensino médio. Na era da tecnologia, a escolaridade mínima desejável é de 12 anos e trabalhador brasileiro mal alcança a metade disso.     
Além disso, os alunos brasileiros pegam as últimas colocações nos testes internacionais.     
É um grande fracasso porque não é problema de dinheiro. O governo brasileiro gasta nisso mais ou menos como países que conseguem resultados muito melhores.      
Outro suspeito é a cultura quase anti-exportação. Outros países subsidiavam suas indústrias, mas estabelecendo metas de exportação. Mais ou menos assim: tem subsídio e crédito oficial quem consegue vender carro nos EUA, o que força a modernização. Por aqui, prevalecia a tese de que o negócio era fazer carroça para o imenso mercado interno de gente simples que não se preocupava com luxos.     
Outro suspeito é a propensão ao consumo. Na Coréia e nos demais países asiáticos, pelo menos na partida do crescimento, há forte estímulo à poupança e ao investimento, com restrições ao consumo. Por isso, a proteção do Estado é pequena, para forçar as famílias a pouparem para o futuro.     
Em consequência, a previdência pública é restrita. O que nos remete ao debate dos últimos dias: o setor público no Brasil, hoje um país de renda média, gasta 12% do PIB no pagamento de aposentadorias, tendo uma população idosa, acima de 65 anos, de 6% do total.     
A Suécia, a rica Suécia, gasta 12% do PIB com aposentadorias, mas tem quase 20% de idosos.     
O presidente Lula tem dito que não há déficit da Previdência. O sistema do INSS seria equilibrado quando se consideram apenas os trabalhadores urbanos do setor formal. Nesse caso, o déficit teria sido de apenas R$ 3,8 bilhões em 2006.     
Mas como o déficit total pode ter alcançado R$ 42 bilhões? Ora, dizem Lula e o ministro, porque aí estão aposentadorias rurais, pagas a gente que não contribuiu, aposentadorias de idosos e de empregados de pequenas e médias empresas, que contribuem com quase nada. Enfim, aposentadorias ?sociais?.    
Tudo bem que se separem as contas, mas o essencial permanece: no Brasil, o governo tem de pagar aposentadorias aos trabalhadores do setor privado e aos funcionários públicos no valor de 12% do PIB.     
Compare: o Chile gasta 3% do PIB com aposentadorias. A carga tributária lá é de 17% do PIB. No Brasil, a carga começa em 12% só para pagar a Previdência.     
Depois, o governo gasta muito com funcionalismo e com o custeio da máquina. Resultado, afinal: no Brasil, dívida pública equivale a 50% do PIB. Na Coréia, 21,4%. Investimentos no Brasil: 20% do PIB, sendo menos de 2% do PIB do governo. Na Coréia, investimentos de 30%.     
Na Coréia, com o governo gastando bem menos no social, é de 15% a população abaixo da linha de pobreza, metade do índice brasileiro. Eles arranjam empregos, não bolsas.     
No Brasil, além de equívocos estratégicos, entendeu-se que o Estado deveria tomar renda da sociedade, via impostos e empréstimos, para gastar no social e cuidar dos pobres. Com isso, a dívida pública subiu e a carga tributária beira os 40% do PIB, o que sufoca consumo e investimentos de pessoas e empresas privadas. O país não cresce por falta de investimentos e … e tem muitos pobres, má distribuição de renda e péssimos alunos.     
Diz-se que é injusta a tese segundo a qual primeiro se faz crescer o bolo e depois se distribui. Talvez. Mas distribuir antes de acumular bloqueia o crescimento e perpetua a pobreza. Publicado em O Estado de S.Paulo em 05 de fevereiro de 2007   

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