. Duas faces A convivência entre opostos limita a euforia na gestão Lula A escolha de Cássio Casseb para a presidência do Banco do Brasil está para a política econômica do governo Lula assim como esteve a designação de Henrique Meirelles para o Banco Central. Ambos são pessoas do ramo, executivos admirados no mercado financeiro, garantia de gestão profissional e, no caso do BB, voltada para resultados, isto é, lucros. No aspecto político, especialmente no que se refere à disputa entre os braços direito e esquerdo do governo, a indicação de Casseb é até mais importante. No caso do BC, sabia-se desde o início que o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, estavam à procura de um nome pró-mercado. Ou seja, não havia alternativa petista para o cargo. Para o BB, havia, e de sobra. Havia também alternativa sindicalista, todas seguindo o entendimento de que o BB deve ser um banco público e social. Se alguém perguntar o que é isso, arrisca-se a uma interminável discussão. De modo que se pode resumir assim: para os políticos e sindicalistas o BB deve, prioritariamente, emprestar a juros bem baratinhos para os pequenos, sendo o lucro a última de suas preocupações. Assim, Palocci precisou superar uma complexa disputa ideológica interna para emplacar Casseb e uma diretoria igualmente profissional. É verdade que o futuro presidente do BB anunciou logo que vai dar atenção especial ao financiamento às pequenas e médias empresas – com o que cumpriu o ritual – , mas ressaltou o interesse do acionista privado, apoiou a venda de ações do banco e garantiu que estará de olho nos resultados. Eis aí, dos sinais recentes do governo Lula, a nova diretoria do BB foi certamente o mais significativo para confirma a direção de uma política econômica clássica. O mercado entendeu e comprou ações do banco – que foi comprar ações do empreendimento Palocci. Isso compensou indicações políticas na direção contrária, como a de Jorge Mattoso, economista da Unicamp e assessor da prefeita Marta Suplicy, para a presidência da Caixa Econômica Federal, e do senador José Eduardo Dutra, candidato derrotado ao governo do Espírito Santo, para a presidência da Petrobrás. No caso de Mattoso, sua experiência com bancos não vai além da condição de correntista. Também não apresenta currículo de executivo em empresas privadas ou públicas que o credenciasse a dirigir um dos maiores bancos do país. No caso de Dutra, ainda que geólogo e funcionário da Petrobrás, tem feito apenas política há muitos anos, o que não o desmerece, pelo contrário, mas certamente não o qualifica para ser o principal executivo de uma complexa multinacional de energia. Também causara inquietação nos meios econômicos a indicação do professor Luiz Pinguelli Rosa para a presidência da Eletrobrás. O professor desempenha há anos a condição de uma das principais lideranças petistas para o setor de energia. E sua ala sempre foi das mais esquerdistas, chegando a defender a revisão de privatizações. Isso, é claro, foi antes do processo de moderação por que passou o partido, mas todos sabem que essa mudança não foi assimilada por boa parte do PT. É exatamente isso que coloca limites ao otimismo verificado no mercado financeiro com a partida do governo Lula, dominada pela estrita ortodoxia da equipe econômica. Muita gente simplesmente não acreditava que isso fosse possível, como o banco de investimentos Morgan Stanley admitiu no seu mais recente relatório aos clientes. Com franqueza, os economistas do banco admitiram que a recomendação de “underperform” para a dívida soberana do Brasil, aplicada em agosto passado, mostrou-se uma aposta equivocada. Em outras palavras, o banco sugeriu que seus clientes, na ocasião, vendessem títulos do governo brasileiro, pois achavam que um governo Lula de caráter esquerdista levaria a uma desvalorização acentuada e prolongada dos títulos do governo brasileiro. A hipótese de default estava no ar. Ou seja, o banco não acreditou nas promessas de moderação de Lula, de modo que os clientes que seguiram a recomendação perderam dinheiro quando aquelas promessas se efetivaram. Agora, o Morgan Stanley sugere que os clientes vendam títulos mexicanos para recompor a carteira de papéis brasileiros, agora classificada como “market perform”. Mas com cautela. Tudo considerado, pode-se resumir assim: o dólar a R$ 3,20 exprimiu a satisfação de um mercado que viu se realizarem as expectativas (ou “apostas” ou “crenças”) mais otimistas. Registre-se: na última ata do Comitê de Política Monetária do Banco Central, aquela de dezembro que elevou a taxa básica de juros para 25%, desenhou-se um cenário otimista no qual a cotação do dólar aparecia justamente como R$ 3,20. A parada na valorização da moeda brasileira e o retorno a cotações de R$ 3,40 indicam os limites atuais desse otimismo. Os fatores que levantam esses limites são econômicos e políticos. No econômico de curto prazo, a culpa maior nem é nossa. Vem de fora, dos preços elevados do petróleo por causa da ameaça de guerra no Iraque, que podem determinar novo reajuste dos combustíveis, e dos fracos sinais de recuperação da economia americana. Já no lado político, o problema é nosso. A questão principal continua no mesmo ponto: a capacidade do governo Lula de levar adiante o excelente programa de reformas e de resistir aos descontentamentos e consequentes pressões de uma ala partidária ainda estupefata com a mudança do discurso – ou, se quiserem, com a adequação do discurso e da administração a uma dura realidade até então obscurecida pelos sonhos dourados criados por uma oposição sem chance de ganhar. Quando se cai no dia a dia do governo e no detalhamento das reformas, sai de cena o discurso da grande conciliação nacional e entram os interesses concretos dos diversos setores e da própria administração. Por exemplo, não se pode corrigir a tabela do Imposto de Renda porque o governo não pode perder um centavo de arrecadação. Idem para a CPMF, a ser prorrogada se a reforma tributária não andar, tudo muito parecido com o que acontecia há apenas alguns meses, no governo anterior. Mas olhando bem, o governo atual mantém vantagem em relação à administração anterior. Não há ninguém demonizando o governo Lula, ninguém recusando qualquer de suas propostas simplesmente por causa da origem. A oposição atual ou grande parte dela, quando no governo, comprometeu-se com reformas que são quase idênticas às assumidas pela atual administração, cujos integrantes eram a principal oposição a elas. Ora, é evidente que o presidente Lula tem muito mais condições do que FHC de dizer a seu pessoal e ao povo que as reformas, pensando bem, não são obra do diabo neoliberal. Resumindo: o governo Lula tem problemas iguais aos do seu antecessor – administrar os governadores, por exemplo – maiores – como alcançar maioria no Congresso – e menores – como alcançar maioria para as reformas. Apenas começa a lidar com isso – o que impõe limite ao otimismo gerado pelo lado extremamente positivo da política econômica. Publicado na revista Exame, edição 784, data de capa 29/01/2003
CONVIVÊNCIA DE OPOSTOS NO GOVERNO LULA
- Post published:9 de abril de 2007
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