COMO CONTROLAR A INSTABILIDADE ELEITORAL

. Receita de estabilidade. E não é jaboticaba Considerado o debate das últimas semanas e as reações da economia, fica claro que é possível evitar a instabilidade pré-eleitoral e que isso depende dos candidatos à presidência. Isso porque os candidatos já estão influindo nos fatos econômicos simplesmente pelo que dizem. Em especial, Luis Inácio Lula da Silva, que está disparado na frente e com passaporte seguro pelo menos para o segundo turno, já está participando da gestão da economia, na medida em que suas posições e as de seu partido determinam, em parte, as reações dos agentes econômicos. É melhor que todos admitam esse fato em vez de tentar jogar a culpa de uma eventual instabilidade na ação de especuladores estrangeiros. Claro que há especuladores, mas o problema maior não está neles. Está, por exemplo, nas pessoas que juntaram alguma poupança e se preocupam com uma eventual desvalorização de seus ativos. Mesmo que não exista a possibilidade de calote – como não existe – as pessoas temem, por exemplo, uma escalada do dólar que desvalorizaria, relativamente, suas economias. Nesse caso, não seria melhor comprar dólares? Não por acaso, bancos têm notado não apenas uma procura maior pela moeda americana, como mais consultas de pessoas de classe média para abertura de contas em dólar. Do lado das empresas, não se pode imaginar que elas simplesmente vão se retirar do negócio por medo da instabilidade. Ninguém vai fechar uma fábrica ou um supermercado por causa de turbulências no mercado financeiro. Nem as companhias estrangeiras vão liquidar seus ativos e deixar o país. Mas as empresas nacionais e estrangeiras podem adiar novos investimentos e negócios, à espera de ambiente mais sossegado. Companhias internacionais podem antecipar, como estão antecipando, as remessas de lucros. Basta isso para enfraquecer a atividade econômica. Em resumo, a instabilidade financeira piora a economia real e assim dificulta a atual administração mas, sobretudo, cria um ambiente hostil para a inauguração do novo governo. Logo, a estabilidade é do interesse do atual presidente, sem dúvida, mas especialmente dos possíveis futuros presidentes. E quando há interesse comum, pode sair acordo. O acordo que garantiria uma trasição tranquila já tem seus temas postos na praça. São três: inflação no chão, austeridade fiscal e câmbio flutuante. Dirá o leitor e a leitora: de certo modo, todos os candidatos já se comprometeram com isso e isso não evitou a instabilidade. Mas por que não evitou? Porque as declarações têm sido acompanhadas de muitas ressalvas. No caso de Lula, tem havido muitas contra-declarações ou correções. Basta o candidato ou alguma liderança de peso falar alguma coisa “amigável aos mercados”, no jargão economês, e vem uma correção dizendo que não é bem assim. E inversamente. Em entrevista na rádio CBN, Lula disse que os funcionários públicos merecem “no mínimo” a reposição da inflação, o que sugeriu uma promessa de reajuste salarial imediato, com forte aumento do gasto público. Um dia depois, se esclareceu que o reajuste se fará na medida das possibilidades do orçamento, uma declaração pró-austeridade fiscal. No lado do governo, o candidato José Serra também continua devendo definições de programa. A única maneira de sair desse “e-assim-mas-não-é-bem assim” seria a institucionalização daquelas três bases da estabilidade, com o objetivo de fixar nna lei o controle da inflação e das contas públicas. Já a política cambial, não se pode colocar na lei que será sempre de cotações flutuantes. Isso significaria que o Banco Central não poderia intervir nas cotações, comprando ou vendendo a moeda americana ou agindo de algum modo. E, sabe como é, em determinadas circunstâncias o BC pode ser obrigado a intervir. Mas no caso da inflação, pode-se colocar na lei o regime de metas, incluindo-se a independência do BC. (Pérsio Arida, de volta à cena com seu talento de analista, sugere que se introduza, junto a esse regime, uma meta de emprego, que é ótima idéia). Assim, eis uma receita de estabilidade: que os partidos dos candidatos apresentem no Congresso um projeto de lei que regulamente aqueles dois pontos (metas de inflação com emprego e independência do BC). Na verdade, nem precisariam ser todos. Bastaria que o PT, por Lula, e o PSDB, por Serra, cada um com seus aliados, apresentassem, e conseguissem a votação de tal projeto. Mais da metade do problema da instabilidade estaria resolvido. A outra metade se resolveria com legislação estabelecendo que o governo federal seria obrigado a fazer um superávit fiscal primário pelos próximos, digamos, quatro anos, estabelecendo-se um ritual e regras pelas quais esse superávit seria fixado a cada ano. Por exemplo, o superávit será o necessário para manter a relação dívida pública/Produto Interno Bruto abaixo de um determinado nível. Isso posto, qualquer compromisso em torno da manutenção da política de câmbio flutuante, uma consequência direta dos arranjos anteriores, já seria suficiente. A estabilidade da transição estaria garantida. Assentadas tais bases os candidatos poderiam discutir prioridades de investimentos e de gastos sociais. Alguns dirão que metas de infação e metas fiscais restringem a ação do governo. É verdade, mas é bom que seja assim, explícito. Pois as restrições existem de qualquer modo e sempre se impõem. Quando se diz, “vamos controlar a inflação, mas sem metas”, está sempre presente a tentação política de tolerar inflação mais alta, para fugir do gosto amargo do remédio, e o que se terá logo será o gosto ainda mais amargo de uma escalada de preços. Idem para os orçamentos. Pode-se esticá-los para atender as demandas por mais gastos (para salários, aposentadorias e obras), mas logo surge o custo de se quebrar a restrição na forma de mais impostos ou mais dívida ou mais juros ou mais inflação. Melhor, portanto, assumir a restrição e colocá-la na lei. Diversos países já fizeram isso, de diversas maneiras. Na União Européia, foi assim. Ao aderir, os países aderem às regras para inflação e contas públicas. Funciona lá. Portanto, não é jaboticaba, essa coisa que só dá no Brasil. Publicado em O Estado de S.Paulo, 03/06/2002

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