COM O DINHEIRO DO POVO

—A Copa fica cada vez mais cara e com recursos públicos mo granden ganhador até aqui é o Corinthians—-

Mesmo que a abertura da Copa não aconteça no estádio do Corinthians, o time paulista já está no lucro. E que lucro! Uma arena novinha em folha, totalmente financiada com dinheiro público, parte emprestada, parte dada. Desde já, é o primeiro dono de um belo legado da Copa.

O Corinthians tinha um terreno em Itaquera – doado pela prefeitura de São Paulo – e um projeto de estádio, para o qual teria que buscar financiamento privado, como, por exemplo, está fazendo o Palmeiras em seu novo Palestra Itália. Ao se tornar estádio da Copa e, possivelmente, do jogo inaugural, depois de arquitetada a desclassificação do Morumbi, o empreendimento corintiano habilitou-se aos financiamentos e incentivos especiais. Mesmo não sendo a sede da abertura, o dinheiro público será providenciado, pois a nova arena permanecerá como única alternativa de jogos em São Paulo.

Eis como ficou o pacote de R$ 820 milhões para a construção de um estádio de 48 mil lugares, com capacidade para ser ampliado para 68 mil:

. o BNDES emprestará R$ 400 milhões – isto, claro, não é dinheiro dado, pois o empréstimo terá de ser pago. Mas os juros são subsidiados e as condições gerais, melhores, por ser obra da Copa

. a Prefeitura de São Paulo concederá um benefício fiscal de R$ 420 milhões. Isto é praticamente dinheiro dado.

A propósito, cabe aqui uma retificação. Tratamos deste assunto em colunas anteriores, salientando então que incentivo fiscal não é doar dinheiro. Como isso ocorreria? O empreendimento será administrado por um Fundo de Investimento Imobiliário e construído pela Odebrecht. O incentivo tradicional seria cancelar a cobrança dos impostos municipais (IPTU e ISS) sobre as atividades diretas ali no canteiro de obras. Por exemplo: a sub-contratação de pequenas construtoras não pagaria ISS.

Mas será mais do que isso. A prefeitura emitirá uma espécie de títulos – Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento – e os entregará para o FII responsável pela construção da arena. Esse Fundo poderá vender os certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes que pagariam seus impostos em dinheiro para a Prefeitura vão entregar Certificados comprados do Fundo.

Por que fariam isso? Porque obviamente vão adquirir os Certificados com desconto no mercado financeiro. Assim, um Certificado com valor de face de R$ 1 milhão pode sair por, digamos, R$ 900 mil. O Fundo ?corintiano? embolsa os 900 mil, cash, e a outra empresa abate um milhão de ISS e IPTU. A Prefeitura recebe os títulos e os cancela. E deixa de receber cash os R$ 420 milhões. Todo o dinheiro fica para o Fundo aplicar no estádio. Sem precisar devolver nada.

Isso não cabe na expressão ?dinheiro dado??

Há ainda um problema aqui. Construtora e Corinthians dizem que o estádio sairá por R$ 820 milhões, a serem cobertos pelo financiamento do BNDES e pelos Certificados da prefeitura. Mas como estes serão vendidos com desconto, o Fundo construtor receberá por eles algo em torno dos R$ 375 milhões, supondo um deságio de 10%. Feitas as contas, faltarão uns R$ 45 bilhões para os 820 bi orçados. De onde virá isso?

Além disso, se for confirmada como o palco do jogo de abertura (com a Seleção Brasileira), a arena corintiana vai receber mais investimento público. O governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 e R$ 70 milhões para instalar ali os 20 mil lugares provisórios e assim chegar aos 68 mil necessários para um ?estádio abertura de Copa?. Como dizem diretores do Corinthians: o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares se a prefeitura e o governo estadual querem a abertura têm de pagar por isso.

O governador Alckmin sustenta que o investimento é para obter a abertura da Copa, evento que considera muito positivo para melhorar a imagem mundial de São Paulo. O prefeito Kassab bate na mesma tecla. Ambas acrescentam que o evento trará muita gente e muitos negócios para a cidade.

Será? Começa que essa conta é sempre muito duvidosa. Além disso, o caixa do governo é um só. O dinheiro que se gasta com Copa é subtraído de outras áreas e objetivos. Assim, cabe a questão: o que traz mais benefícios duradouros para o contribuinte-pagador, o evento Copa ou metrô, corredores de ônibus, escolas, hospitais etc?

Isso vale para todos os governos estaduais e prefeituras de cidades-sede. Todos colocam cada vez mais dinheiro na Copa.

Políticos e governantes fazem isso alegremente tendo a certeza de que o povo quer a Copa e vai curti-la. Mas não pode ser assim tão ligeiro. O certo seria ter colocado a questão claramente ao contribuinte. Assim:

?Querem a Copa? Ok, mas é cara. Vai custar tantos bilhões de reais, a maior parte disso virá do governo, ou seja, do seu bolso. E esse dinheiro poderia ir para hospitais e escolas. Tudo bem??

Não houve debate. Só se pensou naquilo: ganhar a Copa no Maracanã. E muitos governantes garantiram que não colocariam dinheiro em estádios e obras que não fossem permanentes.

Agora, estão invertendo as responsabilidades e os compromissos. E nos dizem: ?Não queriam a Copa? Então vamos ter de gastar, e rápido porque já está atrasado?.

Como se não fossem responsáveis por nada disso.

Todos os países gostam de fazer Copas e Olimpíadas. Alguns fizeram bem feito, outros foram muito mal. Estamos indo pelo maus exemplos. Mas quem sabe o debate ajude a salvar as Olimpíadas.

E para piorar tudo, a Seleção não joga bola. Já pensaram, gastar um dinheirão, gastar mal e ainda perder?

Publicado em O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 2010

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