Carlos Alberto Sardenberg
O secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, é certamente um liberal. E militante. Há anos e anos prega o liberalismo e o fato dele estar no governo é um sinal que não se pode ignorar. Experiente homem de negócios, ele não estaria no governo se não acreditasse que pode aplicar um programa liberal.
E ele está parcialmente certo quando diz: “Talvez este governo tenha um discurso mais liberal do que está praticando. Concordo, mas nunca governo nenhum teve uma prática tão liberal quanto este”.
Trata-se de verdade parcial porque vale apenas para a área econômica, comandada pelo ministro Paulo Guedes, também ele um óbvio liberal. Mas liberal não se ajusta ao presidente Jair Bolsonaro, como se pode verificar pelas posições tomadas antes de se tornar um candidato presidencial viável. Ele correu para Guedes quando percebeu que precisava de uma política econômica e foi procurar alguém que fosse contra tudo feito pelo PT e pelo PSDB.
Foi, portanto, um casamento arranjado, não por amor, como sacou o ex-presidente do BC Gustavo Franco. Casamentos arranjados podem dar certo – assim como casamentos por amor podem dar errado.
No caso, tem funcionado em parte. Há um ajuste fiscal em curso. Saiu a reforma da previdência, por exemplo, e o déficit das contas públicas de 2019, de R$ 95 bilhões, é o menor em cinco anos. Houve privatizações e concessões. Nada especialmente grande, é verdade. Por ele, Mattar vendia tudo, incluídos Banco do Brasil e Petrobras. Não vai rolar, é claro, mas é melhor vender alguma coisa do que nada.
Na lista apresentada por Mattar para os próximos dois anos, tem coisas interessantes, como a Casa da Moeda (para dezembro deste ano), a empresa que controla o porto de Santos (junho/2021) e os Correios (dezembro/21). As concessões estão em outra área e podem avançar.
A política monetária praticada pelo Banco Central vai bastante bem. A taxa básica de juros deve cair mais um tanto na semana que vem, para 4,25%, recorde histórico de baixa, com inflação rolando abaixo da meta. Há outros aspectos liberais no BC, menos visíveis, mas são medidas destinadas a ampliar a competição no mercado financeiro, torná-lo mais aberto, mais livre.
O que o governo certamente ainda não conseguiu arrumar – de um modo liberal – está nos grandes fundos controlados pelo Estado, FGTS e FAT, por exemplo. É mais complicado, certamente, e o pessoal do Guedes, como ele mesmo admite, ainda está aprendendo.
De todo modo, mesmo depois da reforma da previdência, os gastos previdenciários e de pessoal são os que mais pesam. Ou seja, falta uma complementação na previdência, inclusive nos estados, e falta a reforma administrativa.
Esta última é uma promessa, junto com a reforma tributária, para este ano ainda. Ambas, especialmente a dos impostos, têm boa aceitação na cúpula do Congresso – e isso é mais do que meio caminho andado.
Do outro lado do governo, está claro que o pessoal da cultura, da educação, dos costumes não tem nada de liberal. Ao contrário.
É um baita problema. Não pode existir apenas a liberdade econômica, a liberdade de empreender – e aqui, aliás, tem muita coisa para fazer de modo a facilitar a vida de quem quer ganhar dinheiro honestamente.
Tem que ser respeitada a liberdade individual, a de cada um escolher como tocar sua vida, sem controles do Estado. Claro, a lei tem que garantir o direito de todos e o direito coletivo, mas o Estado não pode pretender determinar o que as pessoas devem ou não fazer, podem ou não estudar, podem ou não assistir.
O que nos leva a Regina Duarte. Seria uma liberal na cultura? Sim, seria.
Quem a conhece não a imagina impondo censura, por exemplo. Nem querendo dirigir a cultura nacional, como pretendia o secretário demitido.
Mas teria ela a mesma autonomia de Guedes? Seria possível um casamento tão arranjado de tal modo que o “marido” se comprometesse a não se intrometer nos assuntos da “mulher”?
A ver.