. E a terceira via levou Quando Bill Clinton lançou a corrente “novos democratas” e colocou-se como terceira via, separando-se dos extremos dos partidos Democrata, o seu, e Republicano, muita entendeu que, na verdade, se definia uma via única. Neste mundo globalizado não haveria mais distinção entre esquerda e direita, liberais e conservadores, reformadores e ortodoxos, socialistas e social-democratas. Todos acabariam por fazer a mesma coisa – equilíbrio das contas públicas, liberalização dos mercados, abertura comercial – sendo as diferenças apenas uma questão de estilo e nuance. Alguns meses da presidência de George Bush bastaram para sepultar a tese. Se não sepultaram, mostraram que estilo e nuance fazem mais diferença do que se imaginava. Diferença que tem a ver com vidas humanas e o sofrimento de países. Em uma presidência Clinton, a crise do Oriente Médio não teria chegado ao ponto atual, nem a Argentina estaria sangrando há tanto tempo. É verdade que, embora tenha promovido negociações diretas entre israelenses e palestinos, Clinton não logrou o acordo. Mas estava perto e apenas o fato de tratar pessoalmente do caso já era, para os dois lados, um fator de dissuasão. Discute-se ainda hoje se foram ou não corretos os programas de ajuda aos países emergentes que entraram em crise antes da Argentina. Mas isso não impediu que o FMI, guiado pela equipe econômica de Clinton, providenciasse bilhões de dólares para resgatar México, Coréia do Sul, Rússia, Brasil e tantos outros menores. Ainda que o FMI tivesse cometido falhas, está claro que o tratamento foi muito melhor do que este a que está submetida a Argentina. No primeiro encontro que manteve com o presidente Fernando Henrique Cardoso, Bush disse, lá pelas tantas, que ele só pensava e agia visando o interesse norte-americano. Ora, defender o interesse de seu país é o serviço que se espera de qualquer presidente, mas isso não os faz todos iguais. A diferença está na interpretação do interesse nacional. Clinton entendia que um mundo em paz e em crescimento econômico correspondia aos interesses dos Estados Unidos. Em diversas ocasiões, ele e os colaboradores econômicos sustentaram que o desenvolvimento não pode ser um jogo de soma zero, em que alguns países ganham à custa de perdas de outros. O resultado deve ser – e pode ser – positivo para todos. E isso significa que não se pode deixar uma Argentina naufragar só porque sua crise não está contagiando os demais países. O interesse nacional à Bush é unilateral e de curto prazo. O seu secretário do Tesouro, Paul O’Neill, disse outro dia que os “carpinteiros e encanadores” norte-americanos não tinham nada a ver com os equívocos cometidos pelos argentinos – justificando assim por que não apoiava um pacote de ajuda financeira à Argentina. (Lembre-se, o dinheiro do FMI vem dos contribuintes dos países membros, sendo a maior contribuição dos americanos). Para Clinton, porém, a estabilidade política e econômica do mundo era um “bem público global” e, nesse sentido, do interesse dos EUA. Daí o seu “internacionalismo”, não exercitado mais largamente porque foi tolhido pela política interna. Por exemplo, Clinton não obteve a legislação necessária para avançar nos acordos de livre comércio além do Nafta, o tratado com México e Canadá, apoiado fortemente por ele, mesmo enfrentando a oposição das centrais sindicais, eleitoras e financiadoras tradicionais do Partido Democrata. Bush conseguiu essa legislação, mas aceitando tantas exceções que os demais países desconfiam que o livre comércio oferecido vale apenas para os produtos em que os EUA são competitivos. A decisão de Bush de impor tarifas e quotas à importação de aço, ferindo interesses de inúmeros países aliados, parece confirmar essa linha. A registrar: Clinton não aplicou tal política, embora sofrendo as mesmas pressões da indústria local do aço. Há também diferenças na política interna. Clinton reduziu os gastos militares. Bush aumentou-os, a pretexto de combater o terrorismo. Mas de que serve a rede de satélites antimísseis (proteção contra a “guerra das estrelas”) para impedir que terroristas sequestrem aviões com facas? Clinton deixou superávit nas contas públicas, especialmente no sistema de previdência pública. Bush torrou o superávit, avançou no dinheiro da previdência. É verdade que aqui as coisas se embaralham. O liberal Clinton deveria ser o gastador, o presidente que amplia o gasto público. O conservador Bush, tão cioso com o dinheiro dos carpinteiros e encanadores, deveria encolher o gasto do governo. Na verdade, ambos aumentaram os gastos, mas em medida e programas diferentes. Clinton no chamado gasto social (previdência, assistência médica), Bush no gasto militar, de interesse de um conhecido e específico grupo de empresas. Assim como ajudou a indústria petrolífera, de onde saiu. De todo modo, na retrospectiva, talvez valesse a pena olhar com mais atenção a idéia de terceira via. Tony Blair, sócio de Clinton nessa empreitada, não está ameaçado na Inglaterra. Mas os demais líderes de esquerda que chegaram ao poder nas últimas eleições estão em perigo. Haverá eleições de novo neste ano na Alemanha, França, Holanda e Suécia – e as pesquisas mostram chances de vitória de partidos de centro-direita, coisa que já aconteceu em Portugal e na Dinamarca. Está se falando numa onda direitista, mas provavelmente não é isso. A verdade é que os governos de esquerda na Europa andaram fracassando no quesito essencial, que é dar vitalidade ao crescimento econômico e à geração de empregos. Houve algum resultado positivo no começo, mas pequeno e resultado do ciclo econômico de expansão puxado pelo impressionante crescimento americano dos anos 90. Quando a máquina americana deu uma parada, verificou-se que os governos de esquerda na Europa, excetuado o de Blair, não tinham feito as reformas nem a abertura necessária à dinamização de suas economias. Ou seja, foram mais esquerda tradicional do que a terceira via. Muitos diziam: ora, Blair não é esquerda, muito menos Clinton. Pois então, eram terceira via – e se deram bem. Publicado em O Estado de S.Paulo, 08/04/02
BUSH E CLINTON, QUE DIFERENÇA
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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