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Na última crise financeira internacional, em 2001, o Brasil exportava menos de US$ 60 bilhões/ano. Neste ano, deve exportar algo como US$ 190 bilhões. A capacidade de fazer caixa, digamos assim, mais do que triplicou. Em 2001, as reservas do Banco Central eram de US$ 36 bilhões de dólares, sendo que mais de US$ 15 bilhões era dinheiro emprestado pelo FMI. Hoje, essas reservas passam de US$ 208 bilhões e não tem nada emprestado.
Como em 2001, a crise deste ano leva a um enxugamento do crédito mundial. Ora, somando os dólares das exportações mais as reservas, isso compõe uma disponibilidade anual de US$ 400 bilhões ? o que dá e sobra para o pagamento dos compromissos externos.
Nesse tipo de crise financeira, sempre há fuga de dólares. De um lado, por necessidade: investidores internacionais liquidam aplicações por aqui (vendem ações, resgatam títulos), trocam os reais por dólares e remetem para pagar prejuízos em alguma outra parte. De outro lado, por medo: investidores internacionais e nacionais procuram aplicações mais seguras, os famosos títulos do Tesouro americano.
As remessas de dólares provocam uma desvalorização do real ? ou a valorização do dólar. Assim, a dívida externa, no valor equivalente em reais, fica mais cara. Hoje, a dívida externa do setor público está em torno dos US$ 90 bilhões. Se o dólar vai de R$ 1,60 a R$ 2,00, por exemplo, a dívida vai de R$ 144 bilhões para R$ 190 bilhões.
Mas o governo tem hoje reservas de US$ 208 bilhões. Se o dólar se valoriza, o valor das reservas em reais também aumenta. Como as reservas são superiores à dívida, hoje o governo ganha dinheiro, em reais, com a valorização do dólar.
Essa foi uma das mais cruciais mudanças ocorridas na economia brasileira: de carente de dólar, o país passou a ter sobras da moeda americana. Por isso a desvalorização do real é menor e seus efeitos na dívida pública são positivos. A dívida, medida em reais, diminui. Em 2001, aumentou e reduziu a capacidade de pagamentos do país.
Além disso, sempre comparando com 2001, o país tem hoje uma inflação menor e mais bem controlada, graças ao regime de metas, agora em seu nono ano. Igualmente, dez anos seguidos de superávit primário levaram a uma redução da dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto.
Em resumo, é verdade que esta crise apanha o Brasil em condição muito superior. Esse é o lado cheio do copo.
Por outro lado, as contas externas brasileiras foram favorecidas por um período excepcional de crescimento da economia mundial. Todos os países cresceram e demandaram produtos nos quais o Brasil tinha capacidade, como alimentos e certas comodities. Isso levou ao extraordinário crescimento das exportações e aos consequentes superávits comerciais. O Banco Central adquiriu essas sobras de dólares, pagou dívida externa e formou as reservas, hoje um poderoso seguro.
Ora, a crise de crédito vai levar o mundo todo a uma desaceleração forte, com recessão em alguns países. Assim, o Brasil vai perder exportações, os preços de nossos produtos já estão em queda forte.
Além disso, a economia brasileira recebeu pesados investimentos externos e companhias brasileiras obtiveram farto financiamento internacional. Isso está mudando drasticamente. Empresas que já ganharam licitações da Petrobrás para a construção de navios e sondas estavam negociando financiamentos de bancos internacionais. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico de ontem, esses bancos já suspenderam negociações para empréstimos de R$ 12 bilhões, só nesse setor.
Diz o ministro Mantega que o governo vai providenciar o crédito que faltar. Não tem como. Pode arranjar alguma coisa aqui e ali, mas nada que substitua a capacidade do mercado internacional, hoje bloqueado.
Essa é a metade vazia do copo: as exportações sofrerão, investimentos externos devem diminuir, assim como crédito e financiamentos internacionais, tudo limitando o crescimento. Menos crescimento compromete a arrecadação de impostos. Empresas que haviam tomado empréstimo externo, pagarão mais caro. E o dólar em alta alimenta a inflação.
Efeitos serão tanto piores quanto mais longa for a crise financeira internacional.
Em resumo, o bom estado da macroeconomia faz com que o país seja mais resistente às crises. Antes, o Brasil entrava em recessão, hoje, cresce menos. Depende de capitais externos, mas tem base interna mais sólida. Resumindo: a Bovespa não valia os 73 mil pontos da euforia. Mas vale mais que os 45 mil de ontem.
Publicado em O Globo, 18 de setembro de 2008