BOICOTAR PRODUTOS AMERICANOS: QUEM SOFRE MAIS?

. Queime bandeiras made in Brazil Circula pela Internet uma convocação para boicote aos produtos americanos. O principal alvo dos protestos, porém, deve ser o de sempre, a rede MacDonald’s. Por que não a Coca ou a Nike? É que as lanchonetes estão mais à vista. Já as latinhas de refrigerantes e os pares de tênis estão espalhados pelas lojas, ao lado de produtos brasileiros ou dos “aliados” franceses e alemães (Adidas, por exemplo). Ao BigMac, portanto. Mas será mesmo um alvo americano? Recentes pesquisas mostram que a rede MacDonald’s já é o maior empregador do Brasil. Mais ainda, é um dos melhores lugares para se trabalhar, conforme uma avaliação divulgada pela revista Exame. Os empregados não são norte-americanos, são brasileiros. Os donos das franquias também são brasileiros. O tomate e a alface são fornecidos por agricultores brasileiros, muitos dos quais destinam toda sua produção para as lanchonetes. Também há os produtores do hambúrguer, do queijo, das batatas fritas, do leite, do sorvete e por aí vai. Suponha que o boicote funcione e ninguém mais aqui no Brasil ponha os pés num MacDonald’s. O resultado é que os lucros internacionais da rede terão uma pequena queda e milhares e milhares de brasileiros terão perdido seu emprego ou seu negócio. Dizem alguns entusiastas do boicote que, em médio prazo, não se perde nada, pois o BigMac necessariamente será substituído por algum outro sanduíche – de queijo brie ou lingüiça da Bavária, digamos – de modo que o consumo (e pois a atividade econômica) se restabelece. Mas, primeiro, vá dizer isso aos brasileiros que tiram seu sustento do MacDonald’s. Segundo, não é verdade que uma rede de botequins substitua o nível de investimentos e de empregos fornecidos pela rede americana. E aí? Danem-se os brasileiros que se venderam ao ouro de Washington? Mas há também quem insista no boicote a tudo que é de origem americana, da Coca e dos tênis Nike aos carros da GM, Ford e Chrysler, além da gasolina Esso. De novo, vá contar essa história aos trabalhadores brasileiros de cada setor. Neste momento, por exemplo, os sindicatos de metalúrgicos estão tentando convencer as matrizes americanas a transferirem fábricas para cá. Imagine ainda que o bicote aos produtos Nike funcione em escala mundial. Perdem empregos, por exemplo, os paquistaneses, possivelmente muçulmanos, que produzem as bolas, indonésios que fazem tênis e chuteiras, e chineses, que fazem de tudo, talvez até as camisas da Seleção Brasileira de futebol. Eis aí, você pode não gostar da globalização, mas se age sem tomar em consideração essa realidade, vai acabar punindo quem não tem nada a ver com os EUA e talvez nem goste dos americanos, embora coma um BigMac, pela relação custo/benefício. Em resumo, ainda não se inventou protesto melhor que queimar uma bandeira americana. Você vai naquelas lojas da José Paulino ou da 25 de Março, encomenda as bandeiras americanas – provavelmente até tenham para pronta entrega – e toca fogo em frente a algum lugar que seja bom para a televisão. Afora isso, há uma complexa ação política internacional pela frente. O presidente George Bush introduziu a doutrina da guerra preventiva, em substituição à da reação contra um ataque (legítima defesa contra um ataque sofrido). A guerra preventiva não é uma idéia absurda. Destina-se a debelar uma ameaça real e iminente, o que pode fazer todo sentido diante do terrorismo. O responsável pela segurança dos seus cidadãos não precisa esperar que o atentado ocorra se está claro que está sendo preparado. O problema é o processo. Quais os critérios para se definir uma ameaça real e iminente? Quem formula os critérios e quem analisa sua efetiva realização? E quem dá a ordem de ataque preventivo? A primeira resposta seria o Conselho de Segurança das Nações Unidas, mas esse órgão não responde mais ao mundo pós-guerra fria. Há problemas de representatividade e de autoridade. E isso não tem a ver apenas com os EUA. A Rússia também não aceita decisões do CS sobre sua guerra contra os muçulmanos chechenos. A China também não quer conversa de ONU em suas pretensões sobre Taiwan e as dezenas de outros contenciosos territoriais. (E só não ocupa Taiwan porque não quer encrenca maior com os EUA). A França trata com as ex-colônias diretamente. E assim vai. Está claro que é preciso refazer as instituições internacionais, o que não é simples diante do fato de que há uma e apenas uma superpotência, que se mede pela economia e pela força militar. A propósito, os EUA são os maiores importadores do mundo, importadores líquidos, têm déficit comercial com quase todos os países. Se o consumidor americano resolver boicotar produtos de algum país, aí sim o dano é pesado. Idem se o governo americano vetasse investimentos em alguma nação. São, portanto, relações assimétricas e é preciso lidar com isso. Para o Brasil, interessa claramente que as instituições internacionais, tanto políticas quanto econômicas e comerciais, ganhem mais peso de deliberação e decisão. Como construir isso? É uma história em andamento, mas em qualquer caso há um fator essencial: o eleitor americano, só ele tem o poder de mudar o governo nos EUA. Publicado em O Estado de S.Paulo, 31/03/2003

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