Boas festas numa hora dessa?
Carlos Alberto Sardenberg
Até o último dia 22, portanto já incluindo a Omicron, a Covid-19 havia causado 277 milhões de infecções, com 5,4 milhões de pessoas mortas no mundo. Com a nova variante se espalhando muito mais rápido que as anteriores, como encarar as festas de fim de ano? Que festas?
Por outro lado, os mesmos dados da Johns Hopkins University mostram que 8,8 bilhões de doses foram aplicadas, com muitos países já avançando na terceira dose e Israel iniciando o programa da quarta aplicação.
Visto assim, já se encontra algum espaço para comemoração, mas só para vacinados e em ambientes seguros.
A Covid-19 continua sendo um desastre, mas é preciso admitir que o mundo reagiu de forma espetacular. E continua. As vacinas foram produzidas e aplicadas numa rapidez inédita e já começam a aparecer os remédios para tratar quem apanha a doença.
Não foi, entretanto, de uma hora para outra. As vacinas não saíram do nada, mas resultaram de anos e anos de pesquisa conduzida globalmente, com os cientistas compartilhando dados e conclusões. As farmacêuticas reuniram cérebros do mundo todo, aos quais entregaram material e insumos valiosos.
Eis aí um claro triunfo da globalização.
O problema maior é velho conhecido: a distribuição desigual dos benefícios. Mas também é verdade que a renda global estava crescendo antes da Covid – o que, obviamente, facilita os planos de melhor distribuição – como é certo que o mundo volta a crescer neste momento.
De novo é desigual – alguns países à frente, outros mais devagar. O Brasil está no grupo de trás – e isso nos leva ao ponto principal: a responsabilidade de cada país, sua sociedade, seus cidadãos, seus governos.
O Brasil provavelmente vai passar por nova recessão – e não por causa de um ambiente externo negativo ou, como diriam os bolsonaristas, de uma conspiração globalista-comunista (seja lá o que isso quer dizer).
O governo Bolsonaro é ruim não apenas na política, mas revela uma incompetência inédita mesmo em um país que já teve tantos administradores da pior qualidade.
Governos estaduais e prefeituras continuam vacinando e tratando dos casos. Mas Ministério da Saúde, fora do ar em todos os sentidos, não consegue registrar e ainda faz de tudo para atrasar a vacinação de crianças.
Num país que pode se orgulhar de seus infectologistas e de seu sistema de vacinação, o ministro da Saúde chama uma audiência pública para ouvir a opinião de quem quer que se apresente. Resultado óbvio: uma enxurrada de veiculações de robôs contra a vacinação.
É certo que, em democracias, a decisão final cabe aos eleitos pelo povo. Mas é certo também que gestores inteligentes compreendem a complexidade do mundo atual, da economia às ciências, e por isso foram criadas as agências técnicas para dar base às decisões.
Bolsonaro acha que tudo isso é bobagem – o que era de se esperar considerada sua (má) formação e seu passado (condenável). O que surpreende é quantidade de pessoas supostamente bem formadas que o acompanham.
Governos estaduais e prefeituras têm que agir por conta própria para apressar a terceira dose e vacinar as crianças. A sociedade deve exigir isso.
O momento é difícil, mas afinal o país conseguiu avançar na vacinação e no controle das infecções com um governo federal agindo contra.
A ciência global, de novo, está fazendo sua parte, descobrindo os diversos aspectos da Omicron – mais contagiosa, menos grave.
Há diversas maneiras de medir os impactos da Covid. A revista Economist encontrou uma bem original. O pior dia da vida em sociedade foi 9 de abril de 2020, uma quinta-feira: o número de reservas em restaurantes, pelo site OpenTable, nos EUA, Austrália, Inglaterra, Canadá, México e Alemanha caiu para zero – isso mesmo, nenhuma reserva. O normal? Na casa dos milhões.
Vacinas, tratamentos, restrição de circulação, lockdowns – e assim caímos na virada de 2021/22, com muitas famílias podendo se reunir e parte dos restaurantes abertos. Boas festas? Mais ou menos, né?