BC E METAS DE INFLAÇÃO – UM SUCESSO MUNDIAL

. Sabedorias brasileiras O regime de metas de inflação com Banco Central independente é um sucesso mundo afora. Há diversos estudos mostrando que essa modalidade de política monetária, bastante recente, é uma das explicações para o momento positivo que passa a economia mundial, com forte crescimento, expansão generalizada e inflação muito baixa, com taxas de juros também baixas. O mercado sabe que os bancos centrais têm autoridade, independência e capacidade técnica para manter a inflação baixa ? e isso, como dizem os economistas, coordena as expectativas. Aliás, também há no Brasil hoje uma forte convergência de expectativas, indicada pelo Relatório de Mercado do BC (veja no site www.bcb.gov.br), de que a inflação deve seguir baixa e dentro da meta. Para este ano e o próximo, a meta é de 4,5%, com margem de dois pontos para cima e para baixo, sempre considerando o IPCA, índice do IBGE. Portanto, entre 2,5% e 6,5%, está na meta. O problema é que o BC brasileiro não é institucionalmente independente. Ou seja, o presidente Lula tem o poder de hoje mesmo demitir toda a diretoria, nomear novos diretores e mandar que eles derrubem a taxa de juros para 5% ao ano. O presidente Bush não tem esse poder, nem o primeiro-ministro Tony Blair, nem todos os chefes de governo da União Européia. Em todos esses casos, as diretorias dos BCs têm mandatos definidos, alguns de dez anos, e o processo de fixação da taxa de juros segue ritos legais. Nos países mais importantes, o sistema é o mesmo: o governo, não o BC, fixa a meta de inflação. O BC é encarregado de cumprí-la, usando para isso a taxa básica de juros. Se a inflação está em alta, escapando da meta, sobem os juros. E inversamente. O ideal é encontrar a taxa de juros de equilíbrio, aquela que garante o crescimento do país com inflação estável na meta. Em toda parte, os BCs trabalham com modelos teóricos para calcular a inflação e, sobretudo, para fazer os prognósticos, os cenários que vão determinar a ação de política monetária. Óbvio, não? O BC tem que colocar a inflação futura na meta, daí a necessidade de desenhar cenários acurados. As instituições financeiras do país, as consultorias, institutos de economia públicos e privados, departamentos de faculdades ? todo esse pessoal trabalha com os mesmos modelos do BC e faz seus cenários. Tudo é enviado ao BC, que publica o resumo do que se considera o ?cenário do mercado?. Quando esse cenário bate com o do BC, as expectativas estão coordenadas e ancoradas, passo essencial para a inflação ficar na meta. No Brasil, o BC coloca toda segunda-feira no seu site o Relatório de Mercado. Em todo o mundo, os BCs, através de seus Comitês de Política Monetária, fazem reuniões regulares, com o mesmo ritual: um dia para estudos, outro para decidir sobre a taxa básica de juros. A decisão é divulgada por um comunicado. Uma semana depois, divulga-se a ata da reunião; e, trimestralmente, o Relatório de Inflação, amplo documento no qual se dá uma geral na economia e se comenta a visão do BC e do mercado. Aqui, no velho estilo brasileiro, é tudo mais ou menos. O BC segue com competência todo aquele ritual. Mas, é independente mesmo? Na prática, o BC tem atuado de modo independente, mas por concessão dos presidentes, primeiro Fernando Henrique Cardoso, que introduziu o sistema de metas de inflação em 1999, depois mantido por Lula. Uma modificação importante feita por Lula foi dar status de ministro para o presidente do BC. Mas a autonomia formal, a independência legal do BC, não passou. Projetos de lei foram preparados, um deles chegou a ser enviado ao Congresso, mas acabou morto por decisão do PT, certamente, mas de muitos outros partidos, incluindo o PSDB. As lideranças econômicas e os políticos brasileiros, independente de partidos, ainda acham que não vale a pena abrir mão do poder de controlar o BC, de entregá-lo aos tecnocratas, como se diz. Isso quer dizer o seguinte: alimentam a esperança de poder mandar na taxa de juros para promover crescimento imediato. Mais que isso: acham que esse regime de metas de inflação é bobagem, figuração. Na última sexta-feira, o Estado divulgou um documento reservado da Fiesp, no qual se afirma que a última decisão do BC ? de reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto ? foi uma espécie de birra. Algo assim: está todo mundo querendo que os juros caiam mais depressa? Pois vamos fazer devagar para mostrar quem manda aqui. O governador de São Paulo, José Serra, simplesmente decretou que o BC comete um ?erro econômico?. Exatamente como o ministro do Trabalho, Kuiz Marinho, para o qual o BC ?está bobeando?. E o presidente Lula, segundo assessores, comenta que de agora em diante vai vigiar de perto os movimentos do BC. Estão todos no mesmo lado, daqueles que acreditam que a taxa de juros tem que ser e pode ser controlada politicamente. No mundo todo, a experiência e a teoria mostram que toda interferência política nos juros (e na taxa de inflação) termina em desastre. Mais ainda, há inúmeros estudos mostrando como a autonomia legal do BC levou a uma queda na taxa de juros de equilíbrio. Em resumo, o regime de metas de inflação com BC independente é o maior sucesso mundial. Nos meios econômicos e acadêmicos internacionais, o BC brasileiro é um case de sucesso, por ter derrubado uma inflação que chegou a rodar a 20% ao ano para o nível atual, entre 3% e 4%. As taxas de juros, nominais e reais, são as mais baixas em décadas e continuam caindo. Pelo cenário de mercado, ao final deste ano, a taxa real de juros estará nos 7%, nível que nem os mais otimsitas esperavam não faz muito tempo. Mas o pessoal continua achando que o BC é um bando de idiotas. Como se sabe, o Brasil é diferente. Eles lá nos EUA, na Europa, na Ásia, não sabem como fazer um país crescer forte com inflação no chão e juros baixos. Em tempo: claro que se pode discutir as decisões do BC, coisa que o mercado e o próprio banco fazem o tempo todo. Há ciência e muito de arte na fixação da taxa de juros e não raro os membros do BC divergem entre si. Mas discutem se a taxa deve ser 13% ou 12,5%, dentro dos parâmetros do regime. Agora, dizer que é tudo bobagem e que basta trocar a diretoria do BC, reduzir juros e, abracadabra, o Brasil cresce, é simplesmente querer fugir dos problemas difíceis, como a asfixiante carga tributária.   Publicado em O Estado de S.Paulo, 19 de fevereiro de 2007

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